Esse post foi publicado 27 de janeiro de 2014 às 18:25 e está arquivado em Textos. Você pode acompanhar quaisquer respostas a esta entrada através do RSS 2.0 feed. Você pode deixar uma resposta, ou trackback de seu próprio site.
A hora da verdade se aproxima
Não há como ocultar mais que há uma grave crise em gestação no Brasil.
Arnaldo Mourthé*
Vivemos um momento de perplexidade, muitos questionamentos e poucas respostas. Há um descompasso entre o que queremos e o que a sociedade nos oferece. Há mais conflitos que harmonia, mais frustrações que realizações, mais ansiedade que serenidade, mais temores que esperança. Há, portanto, algo grave que nos atinge. Para tornar ainda mais grave esse quadro, há muita mentira e pouca verdade no que nos dizem nossos políticos e nossas “elites”, daí as aspas na última palavra. Vivemos também um momento de grande alienação, proposital, dirigida para esconder-nos a verdade. Há que compreender o que se passa conosco, com nossa sociedade. Que mundo é esse? Por que ele é assim? Para onde ele nos leva? Há alternativa? Qual?
Há uma tendência, dos governos e das “elites”, em buscar soluções a seus problemas com reformas, segundo eles necessárias para enfrentarmos nossas dificuldades. Só que essas reformas estão sempre orientadas para salvar o dinheiro do rico e diminuir o ganho dos que produzem as riquezas, dos que trabalham. São reformas das leis trabalhistas e sociais, reduzindo a segurança dos assalariados e os direitos do cidadão, sempre a favor do empregador e do mandatário. São isenções de impostos que favorecem multinacionais que lucram mais e exportam seus lucros ou, com eles, compram novas empresas aumentando os lucros que são exportados. São reformas para abrir nossas fronteiras, que deveriam defender o que é nosso, para mercadorias e capitais, facilitando sua movimentação a favor do estrangeiro, mais capitalizado e com mais tecnologia, em competição desigual com nossa indústria que, encurralada, aos poucos é transferida para eles. Vendemos todos os dias nosso patrimônio nacional, público ou privado, para equilibrar nossas contas externas e do governo. Esta sofre uma sangria de mais de duzentos bilhões de reais por ano com juros que, por falta de recursos para pagá-los faz aumentar uma dívida que já ultrapassa os dois trilhões de reais, tendo se tornada impagável. Mesmo assim o governo julga correto subsidiar as empresas estrangeiras sediadas no Brasil com isenção de tributos, como fez recentemente com a indústria automobilística.
Esse quadro torna-se mais dramático quando vemos cortes nos serviços públicos para economizar recursos para juros da dívida pública que nenhuma autoridade ousa explicar como e porque surgiu. Sofrem a educação, a saúde, e todos os serviços necessários aos cidadãos. A moradia cada vez representa maior custo para os inquilinos, por seus salários subirem menos que a inflação e os aluguéis muito mais que ela, resultado da especulação gerada pelos dólares das empresas estrangeiras que trazem seus técnicos para ocupar suas novas fábricas, administrar serviços concedidos e explorar nosso petróleo.
Quando a população foi às ruas para denunciar isso, houve um choque que abalou os nervos das autoridades, dos responsáveis pela mídia, dos donos de empresas e investidores. Do susto, não escaparam nem os que se dizem defensores do povo, a “esquerda” organizada em partidos e sindicatos. Isso mostra que a alienação é muito maior do que se poderia imaginar. As multidões ganharem as ruas com reivindicações simples, mas contundentes, como menor tarifa dos transportes e melhores serviços públicos, especialmente de saúde, educação e transporte, surpreendendo os alienados.
A reação do governo federal foi ridícula. Ele esquivou-se do conteúdo das reivindicações e enveredou pelo caminho de seus interesses menores, um plebiscito improvável e uma reforma política questionável, enquanto manteve e ativou suas ações que estão na base do problema, como as privatizações e o culto aos juros da dívida pública. Ele vendeu patrimônios valiosíssimos como o Pré-sal, e privatizou o que pode da infraestrutura dos transportes, reforçando a própria política que é causa da crise que levou a população para as ruas. Agora debate-se com o pífio desempenho de suas contas externas e com sua dívida crescendo, mesmo já sendo impagável.
Mas, esse caos não está apenas no Brasil. Ele está por toda parte. Em toda a América Latina, que sofre dos mesmos males que nós, com as peculiaridades de cada país. Na África, que sangra com seus conflitos armados e com intervenções diretas de países europeus, que padece da fome e de endemias escandalosas como a AIDS. Sua esperança esvai-se com as dificuldades de décadas de uma independência apenas formal. De alguns países da Europa, como Grécia, Espanha, Portugal e Itália, que enredados no euro como moeda comum da União Europeia, não dispõem de tecnologia e produção em escala para competir com as grandes nações. Eles se atolam no endividamento que submete seus governos, colocados a serviço do capital financeiro e contra seu povo indefeso que já não tem a quem apelar. Se continuarmos assim chegaremos à tirania. Que mundo é esse, meu Deus!
Alguns intelectuais e muitos cidadãos de boa vontade que já sentem a gravidade da situação que vivemos, querem compreender o que aí está para agir na busca de soluções. Há boa vontade, mas soluções não são encontradas. Aqueles mais coerentes trabalham no sentido da resistência às políticas governamentais que geraram as mazelas de hoje e que anunciam a tragédia que será a culminância da crise amanhã. Mas isso é pouco, a crise já faz encolher e degradar nossos serviços públicos e nossa indústria. Ela está provocando a alienação do nosso patrimônio, público e privado, a favor do capital estrangeiro, e inviabiliza uma política de desenvolvimento nacional que melhoraria as condições de vida da nossa gente. Esse quadro de degradação de nossa economia e de nossa sociedade é uma advertência sobre os riscos incalculáveis para nosso país em curto prazo. Só não vê quem não quer. O que fazer? Repare que voltamos às questões do primeiro parágrafo deste artigo.
Há que reforçar nossa visão, como fazem os astrônomos e os bacteriologistas. Não há como ver a olho nu as estrelas além do seu brilho, nem os micro-organismos. Os instrumentos intelectuais que usamos para analisar a sociedade, suas instituições e seu processo histórico são insuficientes para compreendermos, como é necessário, o que se passa no mundo atual. Há uma tendência em pedir esclarecimentos aos economistas sobre isso, quando eles são, no momento, os menos preparados para dar as respostas adequadas. Isso porque, com poucas exceções, eles aprenderam apenas a administrar um sistema econômico que está entrando em colapso. Sem reconhecer isso, que seria admitir falta de senso de sua profissão, não é possível compreender o que se passa. Eles só propõem mudanças formais para tentar evitar o colapso do sistema capitalista, que é inexorável e iminente. É preciso outros instrumentos, que essa economia que anda por aí, para abrir nossa visão. São eles a filosofia, a história, a antropologia, a economia verdadeira, vista como arte de administrar nossos recursos e nossas necessidades. Hoje ela tornou-se apenas a arte de obter lucro para o dono do dinheiro, deixando de servir aos que não vivem do lucro ou da renda. É preciso admitir que, para nosso governo, a democracia é apenas uma questão de formalidade, um cenário para enganar as pessoas. Todas suas decisões são para atender os interesses dos investidores, e não à população. Vivemos sob a ditadura dos investidores.
Há que ampliar nossa visão, nosso horizonte. É preciso compreender por que o capitalismo está na sua fase terminal e, sobretudo, nos preparar para lidar com o seu colapso e pensar na sociedade que queremos a partir daí. Mas, é preciso ainda ter a mente aberta para não nos apressarmos em aceitar qualquer receita já pronta, porque nenhuma delas foi construída levando em consideração o colapso do sistema capitalista, de seu modo de produção e da sociedade que ele moldou para ser o criatório ideal para gerar lucro e obedecer cegamente ao seu Laisser faire, ou seja, a supremacia da liberdade do capitalista sobre todos os demais, destruindo o direito fundamental do homem à liberdade, como enunciado na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão da Revolução Francesa.
O fim do capitalismo não é tão mal quanto alguns temem. Afinal, se ele não vier será muito pior, pois ocorrerá a perda das conquistas sociais arrancadas com muita luta e sacrifício ao longo da história, ou seja, virá o colapso da civilização.
Rio, 25/01/2014
*Autor do livro “História e colapso da civilização”.
05, maio 2022 11:36
13, novembro 2021 12:56
09, agosto 2021 12:10