Esse post foi publicado 08 de janeiro de 2018 às 12:34 e está arquivado em Textos. Você pode acompanhar quaisquer respostas a esta entrada através do RSS 2.0 feed. Você pode deixar uma resposta, ou trackback de seu próprio site.
O excedente de produção no capitalismo
Arnaldo Mourthé
O modo de produção capitalista estabeleceu que a apropriação do excedente fosse feita pelo capitalista, sob a forma de pessoa física ou jurídica. Isso se dá porque o capitalista é o dono da mercadoria fabricada por outros, seus assalariados. Na sociedade que o antecedeu, o sistema feudal, os camponeses ou artesãos que aplicavam seu trabalho na produção da mercadoria eram seus donos. Eles pagavam tributos às autoridades, mas o produto pertencia a eles e eram eles que o vendiam ou trocavam por outra mercadoria, para satisfazer suas necessidades. No sistema capitalista, o patrão torna-se dono da mercadoria, porque arca com todas as despesas de sua produção. Para ter lucro na operação ele precisa vender a mercadoria por um preço maior que seu custo. Do contrário não haveria sentido produzi-la. Mas, seu preço não pode ser superior ao do mercado, pois seria invendável. Como resolver esse problema? Há duas maneiras: fazer o assalariado trabalhar mais tempo que o necessário para produzir o valor de seu trabalho, ou criar condições para aumentar a produtividade do trabalhador, em relação ao do concorrente, inicialmente um artesão.
Nos primórdios da indústria capitalista, a tecnologia aplicada era a mesma da do artesão. Logo, a mercadoria produzida pelo capitalista teria o mesmo custo da do artesão, caso seu assalariado trabalhasse o mesmo tempo do artesão e recebesse a mesma remuneração. Por isso os assalariados das primeiras indústrias na Inglaterra trabalhavam 16 horas por dia, o que o artesão não fazia. Este só trabalhava à luz do dia, período no qual exercia outras atividades. A espoliação desumana foi que deu origem ao capitalismo industrial. Além disso, o salário era insuficiente para sustentar uma família, o que obrigava a mulher ou do filho trabalhar. Tornou-se tradição na Inglaterra, naquela época, as paróquias darem às famílias dos operários uma sopa no fim de semana para complementar sua alimentação.
A redução do horário de trabalho só ocorreu com a invenção de máquinas que aumentaram a produtividade. A Revolução Industrial, nos meados do século XVIII, deu um salto gigantesco na produtividade, mas a redução do horário de trabalho e a limitação do trabalho infantil só ocorreram através de ferrenhas lutas. No dia 16 de agosto de 1819, ocorreu uma manifestação de 60 a 80 mil operários em Manchester, que foi dissolvida a patadas de cavalos e ficou conhecida como o “massacre de Peterloo”. Esse é apenas um exemplo de uma infinidade de atrocidades cometidas contra as reivindicações legítimas dos trabalhadores.
Feita essa introdução, vamos à essência da questão do excedente de produção.
Foi o uso de instrumentos e armas para a caça que permitiu ao homem primitivo produzir além do necessário para sustentar sua família e suas comunidades. Esse processo continua até hoje. A produtividade provém da invenção de novos instrumentos, que multiplicam o efeito da nossa força de trabalho. Os animais também foram e ainda são utilizados com essa finalidade. As conquistas da ciência depois da Revolução Industrial e o desenvolvimento de novas tecnologias continuam aumentando nossa produtividade, em escala exponencial. Todos os investimentos que permitiram essa evolução têm sua origem no aumento da produtividade, que acompanha a do conhecimento que os homens vêm adquirindo ao longo da história.
Até o surgimento do capitalismo o excedente de produção, gerado por essa evolução, era distribuído e investido com critérios de cada sociedade organizada, em tribos, cidades estados, impérios, reinos. Cada uma delas com sua estrutura social própria, algumas mais igualitárias, outras menos, até mesmo tirânicas. Mas sempre de acordo com uma organização social bem definida. Com isso a humanidade evoluiu,, embora aos trancos e barrancos, inclusive no plano espiritual com seus valores éticos e morais.
Na sociedade moderna, condicionada pelo modo de produção capitalista, onde a apropriação do excedente de produção de mercadorias é privada, a história nos indica uma acentuação dos conflitos, sejam eles no seio da sociedade ou entre as nações. Esse fato é decorrente de ser individual a decisão do investimento do excedente, do capitalista, ou corporativo, de um grupo de capitalistas. Na sociedade, a grande maioria da população é excluída do processo decisório. Pode-se alegar a existência de um Estado de Direito, que regula esse processo. Mas esse Estado, chamado também de democrático, tem pouco de democrático e o direito é seletivo. Ele é dominado pela ideologia capitalista, o liberalismo. Essa cria uma grande ilusão na população, sobre a natureza da sociedade, para dar a impressão que ela corresponde aos nomes que leva. Mas isso é uma falsidade. O Estado que temos é de classe, dos capitalistas, e não do povo, não uma República, como definiu Rousseau com grande propriedade. No sistema capitalista a república é uma farsa.
Foi essa sociedade que herdou o colonialismo iniciado pelos reinos, e infelicitou dezenas de países do mundo e bilhões de pessoas submetidas à espoliação e ao sofrimento. Foi ela que produziu as guerras que a história registra, tragédias impensáveis nas relações entre os humanos. Centenas de milhões de vidas se perderam nesse processo, além dos feridos, doentes, refugiados. No Brasil esse processo durou três séculos e produziu uma sociedade escravista e preconceituosa.
Hoje nós não vemos com essa rudeza o mundo em que vivemos, porque ao longo desse processo as pessoas mais lúcidas e as classes sociais mais sofridas reagiram, cada uma à sua maneira, conquistando direitos sociais. Houve lutas de massas, revoltas, revoluções. Houve uma forte reação no plano do pensamento. A mente humana desenvolveu nesse período seus instrumentos para construir um mundo melhor através da filosofia, das artes e da ciência. O pensamento crítico grego que foi retomado na Europa, produziu o Renascimento. Ele foi usado de forma magistral pelos iluministas franceses e outros filósofos que os sucederam, como Kant, Hegel, Marx e muitos outros, o que permitiu unir intelectuais e trabalhadores para humanizar o Estado burguês, que chegou a alcançar um nível de civilidade considerável com o Estado de Bem Estar Social, como é praticado nos países nórdicos da Europa. Todas essas conquistas foram obtidas com muita luta e muito sacrifício, mesmo sem considerar a tragédia das guerras mundiais, de conquistas de territórios e de deposição de governos populares.
Mas, o capitalismo não aceita mais o Estado de Bem Estar Social, nessa fase de sua decadência, à beira da extinção. Ele tem um novo projeto, o neoliberal, que outra coisa não é que o retorno ao liberalismo primitivo, da desigualdade e da liberdade apenas para o capitalista. Isso se deve à impossibilidade do sistema sobreviver sem as guerras, que queimam parte do excedente de produção acumulado em suas mãos. Mas esse não é um ato de renúncia, pois o Estado é quem paga as guerras, com o dinheiro produzido com o trabalho do cidadão, enquanto os capitalistas faturam seu lucro, vendendo seus estoques de mercadorias e armas.
Os burgueses capitalistas pensam ser possível substituir o Estado de Bem Estar Social por uma nova forma de colonialismo, onde não existirão as figuras da República, nem do Cidadão que lhe dá origem. Um projeto tresloucado que é preciso barrar. Ele está sendo construído com o endividamento do Estado e seu desmantelamento junto com o dos direitos do cidadão. A humanidade, no conceito deles, não é mais que instrumento de produção e de consumo para realizar seus lucros. Cuide-se o capitalismo enlouqueceu. Este é o título de um livro meu publicado em 1999.
Todas as ações do governo Temer estão em conformidade com esse plano macabro de submeter o Brasil, através da demolição do Estado e dos direitos republicanos inseridos nele. O método utilizado é a corrupção dos políticos, que fazem as leis, e dos meios de comunicação,que alienam a população através de mentiras, mitificações, e diversões desvinculadas de nossas tradições culturais. Nós hoje somos um país ocupado. Não por tropas militares, mas pelo poder do dinheiro falso, que desorganiza nossa economia e corrompe aqueles que deveriam estar defendendo a Nação. Mas, na realidade eles estão vendendo-a pelas migalhas que recebem por serem serviçais do capital. Essa venda é feita em fatias para despistar seu objetivo.
Para melhor compreensão de tudo isso é preciso mais algumas informações sobre a natureza do modo de produção capitalista. Vamos analisar essa questão.
Rio de Janeiro, 07/01/2017
05, maio 2022 11:36
13, novembro 2021 12:56
09, agosto 2021 12:10