Artimanha perigosa do Impostor


Artimanha perigosa do Impostor

Arnaldo Mourthé

            Assistimos hoje na televisão uma cena de soldados do exército parando caminhões de carga na Avenida Brasil, para revista. Segundo o noticiário, tratava-se de ação de controle à procura de armas de uso exclusivo das forças armadas, que abasteceriam o crime organizado no Rio de Janeiro. Esperamos que seja para o bem da sociedade, como mencionou o apresentador do noticiário.

Essa ação está inserida no acordo entre governo do Estado e a União para combater o crime organizado, com o suporte das Forças Armadas. Segundo o Ministro da Defesa seria uma colaboração de “inteligência” para descobrir as origens das armas e os arsenais clandestinos. Se o crime organizado usa armas pesadas, de uso exclusivo das Forças Armadas, nada mais justo que elas cuidem dessa questão.  Mas precisariam elas de um acordo formal entre União e Estado para cumprir essas tarefas? Evidentemente que não. Basta o Ministro determinar que elas sejam executadas. Tudo indica, portanto, que o acordo vai mais além da questão do crime organizado e suas armas ilegais.

Tramita na Câmara de Deputados um pedido de autorização do Supremo Tribunal Federal para processar o Presidente, por crimes praticados no exercício do poder. Há uma grande movimentação do governo e de seus acólitos para evitar a aprovação da investigação, embora sejam necessários apenas 172 votos, um terço mais um, dos 513 deputados federais, para parar a investigação. Seria fácil para um governo que teve maioria para aprovar a Reformas  da CLT. Acontece que uma pesquisa de opinião da semana passada mostrou que 81% dos entrevistados é a favor da sua continuidade, e que apenas 5% apoiam seu governo. Esse dado nos indica a fragilidade do governo, não apenas na opinião pública, como no próprio Congresso Nacional, apesar das benesses concedidas a deputados e senadores por seu apoio.

A administração pública, nos Estados e na União, está caótica. Funcionário sem receber salários, entidades sem recursos para suas atividades, prédios caindo aos pedaços, pessoas morrendo na porta de hospitais por falta de assistência médica, a educação pública na maior precariedade, a infraestrutura de transportes deteriorada, quatorze milhões de desempregados e outro tanto de subempregados. A fome e a morte batem à porta de dezenas de milhões de brasileiros. Essa situação não é normal e nunca ocorreu no país tamanha calamidade. Por muito menos o povo foi para as ruas exigir providência do governo, ou para pedir seu fim. Foi isso que aconteceu nos impeachments de Collor e de Dilma. Não me cabe especular sobre o porquê de não ter havido algo parecido para a saída de Temer. São mistérios da política, ou falta de perspectiva sobre a sua substituição. Não há grande coisa a escolher para governar o País, onde os poderes Legislativo e Executivo caíram no descrédito pelos desmandos e pela corrupção, e os discursos políticos tornaram-se vazios, incapazes de apontar caminhos, e de mostrar à população as origens e as consequências desses desatinos que estão sendo praticados.

Nesse quadro, os governantes tentam de tudo para manterem-se no poder. Este pode escapar-lhes se o povo for à rua, como o fez em 2013, com reivindicações precisas e sem rótulos políticos. Eles não têm nem mesmo a segurança de ter a polícia para fazer o serviço sujo como fez naquela época. Os próprios policiais não confiam mais no governo federal nem no do Rio de Janeiro. Esse quadro talvez explicque a mobilização das Forças Armadas para o dito “combate ao crime organizado”. O governo Temer busca na verdade desencorajar a população de usar o seu direito de protestar e, também de derrubar o governo. Por que não?

Há mais de trezentos anos o filósofo liberal inglês John Locke (1632-1704) admitia o direito do povo de derrubar os governos que não cumpram com sua obrigação de respeitar as leis, especialmente, quando enveredam no caminho dos desmandos e da prevaricação. Ele disse: (…)  tem-se o direito não somente de livrar-se da tirania, mas também de evitá-la.” Mais tarde, os Pais Fundadores dos Estados Unidos escreveram:

(…) Nós temos por evidentes por elas mesmas as verdades seguintes: todos os homens são iguais; eles são dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis: entre esses direitos se encontram a vida, a liberdade e a procura da felicidade. Os governos são estabelecidos entre os homens para garantir esses direitos, e seu justo poder provém do consentimento dos governados. Todas as vezes que uma forma de governo ameace esse objetivo, o povo tem o direito de mudá-lo ou de aboli-lo, e estabelecer um novo governo, fundado sobre os princípios e organizado na forma que lhe parecerão os mais adequados para lhe oferecer a segurança e a felicidade […]

A grave crise que o Brasil atravessa está servindo de oportunidade para que um grupo de aventureiros a serviço de interesses externos ao país possa manipular de forma cínica as instituições, por meio de trapaças e da corrupção. Eles se consideram intocáveis, pois foram colocados lá pelo poder financeiro internacional. Desafiam o Poder Judiciário e aquele que é realmente o poder, o nosso povo, o cidadão brasileiro. Para tanto agora se dão o direito de colocar as Forças Armadas cumprindo papel de polícia. Ultrapassaram todos os limites já conhecidos de um poder de impostores.

Há que fazer uma reflexão profunda sobre tudo isso. Especialmente aqueles, como eu, que conheceram as tramas que levaram à ditadura militar, e os atos lesivos dela, que até hoje refletem de forma negativa na nossa vida de pessoas e de Nação. Vamos falar apenas de dois casos, que são oportunos: o crime organizado, e a crise financeira da União. Todos os dois têm reflexos em toda a sociedade brasileira.

O crime organizado começou com a ditadura. Antes delas os bandidos eram individualistas. No máximo atuavam com alguns parceiros, sempre poucos, pois sua atividade podia ser considerada de subsistência. Nesse quadro ficaram famosos alguns destemidos, com Lúcio Flávio, no Rio e Sete Dedos em Minas Geias. Havia traficantes, mas a droga da época era a maconha. Seu consumidor era chamado “maconheiro”, uma expressão pejorativa. Os que traficavam não tinham armas pesadas. Eram oportunistas e usavam o subterfúgio. Nem chegavam a preocupar a sociedade.

Com a ditadura, os jovens que se rebelaram, tidos como “subversivos”. eram “torturados” e levados à prisão comum, onde se encontravam com os criminosos de todos os tipos. Os prisioneiros políticos eram respeitados. Não haviam praticado nenhum crime e haviam demonstrado destemor. Todos os bandidos queriam conversar com eles. Assim aprenderam a se organizar, pois a clandestinidade exige organização e disciplina. Depois de liberados, alguns desses criminosos transformaram-se em chefes de quadrilha poderosos. O mais conhecido do Rio foi o Escadinha. Mas isso não aconteceu apenas no Rio. Vê-se que  foi a política repressiva da ditadura que criou o crime organizado, que hoje domina o tráfego de drogas. Será a repressão o instrumento que irá destruí-lo?

A crise financeira começou com “o Brasil grande”. Investimento em massa com recursos externos que gerou a dívida externa, que depois, por obra e graça de Fernando Henrique Cardoso, se transformou na dívida pública, que financiou a ascensão desse governo de impostores. Sobre esse assunto já nos discorremos longamente. Para aqueles que têm interesse em conhecer mais sobre o assunto, recomendo buscar na internet o documentário “Dívida pública: soberania na corda bamba”.

Não há nenhuma política pública válida que possa justificar o uso das Forças Armadas no combate ao crime organizado no Rio de Janeiro. As funções delas são outras e muito mais nobres: defender a Soberania Nacional e as Instituições republicanas. Um governo sério as deixaria com seus deveres e as ajudaria a se prepararem para a Nobre Missão de defender o Brasil, quando esse tiver que tomar as medidas contra os espoliadores internacionais que estão abusando de todos nós. Usam-nos como instrumentos para satisfazer seus interesses mesquinhos. No caso do Brasil querem que nos tornemos uma grande zona industrial, sob seu controle, para concorrer com os produtos chineses. É um projeto tresloucado, mas que pode nos transformar em uma colônia e nossos trabalhadores em servos.

O objetivo de Temer, é usar as Forças Armadas contra o nosso povo. As experiências dessa natureza foram trágicas, e não foi apenas a da ditadura. Não há nada que justifique um conflito entre Forças Armadas e o povo. Elas foram constituídas para defender a Nação, e esta não existiria sem o povo que a construiu. Na República verdadeira todos do povo são cidadãos, origem de todo o poder do Estado Republicano. Sendo assim, a artimanha do Presidente é um golpe contra toda a Nação. A intenção é destruí-la. Transformá-la em uma colônia de novo tipo, sob a tutela do poder financeiro, cuja seja está na Wall Street, em Nova Iorque.

Chegou a hora de nós, povo brasileiro, acordarmos e passarmos a trabalhar em um projeto para a grande Nação que nós somos. Para isso nossa unidade é necessária, enquanto brasileiros. Esqueçamos a luta entre “coxinha” e “mortadela”, que nos desune e cria as condições ideais para sermos dominados. A humanidade nos agradecerá.

Rio de Janeiro, 01/8/2017.

 

 

 

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