Os novos barões do café (XXXI) – Lula e marginalização da Esquerda


Lula e marginalização da Esquerda

Arnaldo Mourthé

Nós já vimos como o PT foi criado, para bloquear o caminho da esquerda brasileira. Esta tinha como maior expressão eleitoral o trabalhismo desde Getúlio Vargas. Havia outras correntes políticas como os socialistas e os comunistas, que também deveriam ser barradas. Esta última corrente foi usada como justificativa, sem razão de ser, desse bloqueio. A questão era a de não permitir que a luta pela verdadeira República prosperasse no país, pois ela seria um obstáculo intransponível para o projeto de colonização do Brasil.

Lula e o PT haviam tentado por três vezes chegar a Presidência. A primeira contra Collor e as duas outras contra Fernando Henrique. Em 2002 houve a quarta tentativa. Tudo indicava que seria outro fracasso. Havia ainda uma consciência política que resistia às promessas e pirotecnias do PT. O PSDB indicou José Serra como seu candidato, com toda sua soberba e ar professoral que não tinha apelo popular. Para fugir à opção entre PSDB e o PT, que Brizola chamava de “escolha entre o diabo e o coisa ruim”, foi formada uma coligação entre PDT, PTB e PPS, sob a denominação de Frente Trabalhista.

O candidato escolhido foi Ciro Gomes, filiado ao PPS, homem simpático e com posições progressistas. Houve uma grande aceitação do seu nome. Nas primeiras pesquisas ele disparou na frente, chegando a bater os 30% da preferência popular. Apesar dos escassos recursos financeiros, houve a esperança de termos um presidente representando as forças políticas populares. Mas não foi assim. Ciro revelou-se um temperamental. Falou nele mais alto sua formação de quadro da oligarquia do Nordeste. Ele escorregou diante de provocações em um de seus eventos de campanha, menosprezando um interlocutor. A mídia não perdoou. Ele passou a ser mostrado como alguém sem estabilidade emocional para a Presidência. Alguns conflitos ocorreram com sua equipe que dirigia a campanha. Ciro despencou nas pesquisas, ficando em quarto lugar no resultado eleitoral. Sobraram Lula e Serra, que foram para a disputa no segundo turno. Estava colocada de novo a opção entre o diabo e o coisa ruim.

Essa questão afetou particularmente o PDT, que liderava a coligação através de Leonel Brizola. Que fazer diante daquele quadro desfavorável. A questão do PT fora discutida inúmeras vezes pelo PDT, sobretudo devido às dificuldades que o PT criava para nossas administrações. Lembremos a questão da eleição de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral, quando o PT impôs a seus deputados a abstenção. Os sindicatos do PT eram vezeiros em bloquear as administrações públicas, que não estavam sob seu controle. Nós tivemos vários conflitos com eles, que não cabem ser analisados aqui. Mas era preciso tomar uma decisão sobre a participação do PDT naquele segundo turno. Minha posição foi pelo voto nulo, numa demonstração clara que aquela opção não servia ao País. Argumentei que o projeto do PT era, assumido o poder, ficar nele por cinquenta anos. O número de anos era uma força de expressão, ou seja, o PT queria o poder para sempre, ou pelo menos enquanto o Lula vivesse. Afinal Fidel não estava no poder há mais de 40 anos? A comparação é folclórica, mas na cabeça dos dirigentes do PT, as condições históricas e a sociedade não precisavam ser levadas em conta. Tudo era uma questão de oportunidade. Não foi por outra razão que o seu poder levou o País ao caos. Minha posição foi desprezada, pois havia outras questões em jogo, especialmente as eleições para os governos dos Estados.

O realismo político não era exclusividade do PT. Embora fossem mais autênticos, os outros partidos que representavam setores da sociedade e eram guiados, de uma maneira ou de outra, por uma ideologia, tinham que enfrentar uma realidade política adversa. Pressões locais ajudaram na decisão por uma aliança do PDT com o PT para o segundo turno. Sem ela o PSDB seria o grande vencedor das eleições daquele ano e o modelo neoliberal de Fernando Henrique se consolidaria.  A história mostrou que a escolha de Lula fora um erro político, que pode ser justificado pelas circunstâncias. Mas, o que seria, se não fosse assim? Se o Serra  ganhasse a eleição, tudo indica que não deveria haver quadro melhor do que esse tenebroso em que enfrentamos. Afinal, as causas produtoras do nosso caos social vêm do exterior.

Há no ar uma perguntae frequente, por que a esquerda no Brasil está tão fraca? Espero ter dado algumas informações para mostrar como isso se deu. Mas elas não são suficientes. O fenômeno também está ocorrendo fora do Brasil. A explicação mais completa dele é que estamos vivendo um momento surrealista em todo o mundo. A esquerda, desde a Revolução de Outubro na Rússia, ficou circunscrita à defesa dos direitos civis e dos trabalhadores em face da exploração do sistema capitalista.Tudo se desenvolveu em torno da discussão da divisão dos frutos do trabalho, entre trabalhadores e empregadores, em torno dos salários de um lado e da taxa de lucro do outro.

Não se cogitava de outras questões desse chamado mundo moderno da comunicação instantânea que movimenta o capital pelo Planeta, de forma estarrecedora, à procura de melhores rendimentos. Não se cogitava também de uma economia escrava de um sistema financeiro operando dinheiro falso, papel moeda emitido sem lastro, e fraudulentamente contabilizado sob a forma de dívidas públicas, forjadas para armazenar o dinheiro sem lastro, para que não circule, pois contaminaria a economia com uma inflação catastrófica, destruindo o próprio sistema. Além disso, a dívida pública coloca os governos em posição de vulnerabilidade pela incapacidade de pagá-la, ofereceram favores absurdos aos credores. Estes, organizados em torno de conglomerados bancários que dominam não apenas países periféricos como o Brasil, como os mais capitalizados, como o próprio centro do sistema, os Estados Unidos.

É diante desse quadro que deve ser pensada a militância política de nossos dias. Os velhos padrões e chavões, não funcionam mais, pois toda a sociedade é escrava do capital financeiro, que tudo domina, esmagando países, destruindo culturas, sacrificando povos, gerando a miséria e o sofrimento em um mundo em que as pessoas perderam a referência da realidade. Para isso usam todas as armas, das mais destrutivas do ponto de vista material às mais sutis, como a alienação através da comunicação sob as formas mais variadas. É contra esse estado de coisas que nós devemos atuar.

Mas vamos continuar nossa análise da história do poder no Brasil. Em seguida voltaremos a essa questão que é, sobretudo, a mais importante nos dias de hoje.

Rio de Janeiro,29/12/2016

 

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