Os novos barões do café (XXVIII) – O governo Lula e o PT


O governo Lula e o PT

Arnaldo Mourthé

             O PT foi um fenômeno impar na história política do Brasil. Por muito tempo houve interpretações diversas sobre sua natureza, que só agora começam a ser reveladas. Mas, as informações de conhecimento público são insuficientes para uma compreensão maior desse fenômeno. Para tentar revelá-lo comecemos por meu artigo  A devassa e a faxina, publicado em 26 de julho de 2005, quando eu escrevia sobre o Mensalão, escândalo de corrupção que envolveu ministros e dirigentes da cúpula do PT. Vamos ao artigo:

“A promiscuidade entre dirigentes do PT, autoridades exponenciais do governo Lula, alguns partidos políticos e diversos parlamentares com o capital privado, revelada pela CPMI dos Correios, estarrecem em entristecem as pessoas de boa fé. É preciso que a devassa seja profunda para apresentar os fatos e seus responsáveis à opinião pública e que venha em seguida uma grande faxina nas instituições envolvidas nos escândalos, condição essencial à sua reconstrução, tornando-as renovadas e sadias.

Não há especulação, por mais fantasiosa que seja, sobre a desonestidade de homens públicos, comparável com o que estamos assistindo pela TV e lendo nos jornais. Esse é um momento em que a realidade supera a ficção. Mas nada acontece por acaso. Tentemos compreender, pelo menos um pouco, como isso pôde acontecer. Que partido político é esse que não teria tomado conhecimento desses fatos escandalosos, como dizem muitos de seus dirigentes? Que não pôde ou não teve coragem de barrar a trajetória dessas figuras patéticas que manipularam, pelo menos por dois anos e meio, dezenas de milhões de reais, como protagonistas do maior escândalo de corrupção registrado pela história do Brasil?

“Essas questões ficam mais claras lendo-se a entrevista de Olívio Dutra, então ministro das Cidades e ex-governador do Rio Grande do Sul, concedida a O Globo e publicada em 16 de julho último.Sobre o PT ele disse que “Lá no início do partido, era um grupo de movimentos sociais, de setores sindicais que lutavam contra a estrutura sindical, contra a ditadura, e organizações de base para ser um partido que incorporasse outras sociedades comprometidas com a luta democrática, com uma política sem toma lá da cá”. Mais adiante ele acrescenta: “Depois, o PT começou a ganhar espaço de poder. (…) Mas aí, no meu entendimento, ele começou a abrir a guarda” (…) Mandatos de parlamentares passaram a ser instâncias partidárias (…) Um gabinete tem aumento enorme que suplanta a institucionalidade”. Apesar da imprecisão de linguagem, Olívio Dutra oferece, por sua autenticidade, pistas importantes para a compreensão da natureza do PT e o porque ele se envolveu em tamanha cumplicidade com o capital financeiro.”

Vamos à primeira questão, a formação do PT, “era um grupo de movimentos sociais, de setores sindicais que lutavam contra a estrutura sindical, contra a ditadura”. É esclarecedor o fato dele colocar a estrutura sindical e a ditadura na mesma condição de adversário, uma postura sem compromissos com classes sociais, com a nacionalidade ou com qualquer doutrina política. Apreende-se do que foi dito, e do que não foi explicitado, que o PT não tinha nenhuma ideologia quando foi criado. Não defendia o trabalhador, nem o burguês, nem a monarquia, nem a república. Apenas contrapunha-se à ditadura e se dizia democrata. Entendemos das palavras desse ilustre e graduado quadro do PT, que este é um aglomerado de “movimentos”, grupos de pessoas que lutavam contra o poder, seja dos militares, seja da liderança sindical de então. Se era somente isso, esse aglomerado não passava de saco de gatos.

Depois, o PT começou a ganhar espaço e poder. (…) Mas aí, no meu entendimento, ele começou a abrir a guarda. Mandatos de parlamentares começaram a ser instâncias partidárias (…) Um gabinete tem aumento enorme que suplanta a institucionalidade”. Traduzindo em miúdo, o saco de gatos cresceu, nele foram introduzidos novos gatos, poder local e gabinetes de parlamentares que suplantavam instâncias partidárias. Isso quer dizer que o PT não chegou a ser, em nenhum momento, ou apenas por curto período de tempo, uma instituição. Não havia um interesse coletivo a defender, dos militantes ou filiados que fosse, mas apenas interesses particulares de dirigentes partidários, autoridades locais, parlamentares e outras bases como a estrutura sindical, a CUT, que substitui a outra que o PT combatia, mas, talvez, mais arbitrária ou ditatorial que ela. Voltemos ao artigo mencionado.

“Esse é um dos motivos pelos quais foi possível criar dentro da direção nacional do PT um grupo de negocistas e corruptores que cometeram a mais grave de todas as variedades de corrupção, aquela do legislador, para fazer leis a favor do capital, contra os interesses dos trabalhadores e da nação. Querendo ou não, o PT agiu no sentido de destruir a República, a maior das instituições, mãe da nacionalidade cidadã, que a vontade soberana do povo estabeleceu. Se o quis é grave, se não o quis é mais grave ainda, pois estava a serviço de outrem, sabe lá quem. Talvez o conhecimento da origem primeira do dinheiro da corrupção venha esclarecer essa questão.

“A infeliz declaração do Presidente, dada diretamente de Paris, “O que o PT fez, do ponto de vista eleitoral, é o que é feito no Brasil sistematicamente”. Ou seja, reconheceu que o PT é igual àqueles que cometem ilegalidades, e que o ilícito penal é prática corrente, portanto aceitável. Vinda do Presidente da República a declaração é de extrema gravidade, pois admite a prática da ilegalidade, quando uma das missões mais inerentes ao cargo é coibir a ilegalidade. Além disso, ele dá um péssimo exemplo a todos, sobretudo aos jovens que já se encontram desamparados com sua política de desemprego e de arrocho salarial. Uma afirmação despropositada e inaceitável.

“Diante de todo esse quadro, os homens íntegros e boa vontade que pertencem ao PT, que são muitos, têm pela frente a tarefa gigantesca de completar a demolição que os escândalos produziram e fazer uma limpeza geral nos seus quadros. Isso para começar, porque também é necessário ao partido assumir um compromisso com algum setor da sociedade, à sua escolha, mas é essencial mostrar sua verdadeira face e representar com lealdade e altivez esse setor. Ter uma ideologia é fundamental para um partido político. O exemplo está aí à mostra, o próprio PT em desagregação, que sem compromissos sociais entregou-se aos encantos do capital financeiro. Esse, nas suas facetas, nacional e internacional, se empenha em mudar as regras institucionais e de setores sociais para aumentar ganhos financeiros, e submeter o Estado nacional, com o objetivo de controlar nossas riquezas e nosso próprio território, para fazer do Brasil uma nova colônia. Vejam as leis que entregam nossas riquezas e nosso território, como as das concessões de áreas de exploração de petróleo e de milhões de hectares da floresta amazônica ao capital estrangeiro.

“Se esses homens íntegros e de boa vontade do PT, não puderem ou não tiverem a coragem necessária para fazer o que é preciso, a sociedade cumprirá seu dever. Enterrará de vez o PT e sua triste história.”

Mas tudo indica que naquela época isso não ocorreu, senão algumas defecções de quadros representativos do PT, que se sentiram sem condições de manter-se no partido depois daquele escândalo. Assim a atividade corrupta e predatória do PT persistiu até que ocorreu a “Operação Lava Jato”, que está produzindo uma verdadeira devassa na política nacional e nas empresas e instituições envolvidas na mais escandalosa e devastadora rede de corrupção do país.

Mas essa é uma questão das áreas judiciais e policiais, que não nos cabe analisar em minúcias, quando nosso escopo é a investigação da história do poder no Brasil. Por isso voltamos à nossa questão sobre o governo Lula.

Rio de Janeiro, 24/12/2016

 

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