Os novos barões do café (XXVI) – Plano Real, inflação e neoliberalismo


Plano Real, inflação e neoliberalismo

Arnaldo Mourthé

Assumiu o governo o vice-presidente Itamar Franco, que buscou encontrar fórmulas para conciliar os ânimos e frear a inflação. Para isso valeu-se de sua capacidade de negociação e esforçou-se para elaborar um plano de estabilização monetária. No seu primeiro ano de governo, 1993, a inflação subiu para 2.708%. Caso ela não fosse detida, seu governo teria um fim trágico como o anterior. Ele mobilizou uma equipe de economistas que montou um processo engenhoso de manter duas moedas, o cruzeiro real, de circulação corrente, que se desvalorizava a cada dia e outra estável, a Unidade Real de Valor (URV), amarrada ao dólar americano, moeda bastante estável na época. Tornou-se obrigatória a menção das duas moedas em todas as transações econômicas. Essa experiência começou em 1º./2/1994. Nos cinco meses que se seguiram, enquanto o cruzeiro real se desvalorizava a taxas mensais superiores a 40%, a URV permanecia estável. Em 1° de julho de 1994, foi lançado o real (R$), que substituiu a URV, eliminando-se o cruzeiro real (CR$), que foi convertido pela relação CR$2.750,00 = R$1,00. O Plano Real alcançou seu objetivo. A inflação caiu para 5,47% em julho, 3,34% em agosto, 1,55% em setembro, mantendo-se baixa. As taxas anuais foram de 909% em 1994, de 14,7% em 1995 e de 9,3% em 1996 (133).

Vencido o grande desafio da inflação, Itamar Franco aumentou seu prestígio, o que lhe permitiu escolher e eleger seu candidato a presidente, Fernando Henrique Cardoso. Este havia sido ministro da Fazenda no lançamento do Plano Real. Mas o novo presidente iria tomar medidas que lhe foram impostas por pressão externa, no quadro da nova política econômica mundial do capital financeiro, conhecida por globalização, mas que é de fato um projeto liberal de dominação do mundo pelos grandes conglomerados financeiros. Revelada sua face intervencionista e dominadora, essa política ganhou o nome de neoliberalismo.

            Fernando Henrique privatizou empresas estatais, serviços públicos e bancos pertencentes aos estados; fez uma abertura comercial ao capital estrangeiro sem precedentes; coagiu as administrações estaduais e municipais a reduzir o funcionalismo, através da Lei de Responsabilidade Fiscal. Favoreceu assim a privatização dos serviços, ou sua terceirização; transferiu, para o Tesouro Nacional, as dívidas em moeda estrangeira dos estados e municípios, tornando a União a grande credora dessas administrações, aumentando seu poder coercitivo sobre elas; investiu contra a Previdência Social e tentou alterações da CLT – Consolidação das Leis do Trabalho, gerando uma queda de braço com os sindicatos e organizações civis. Sua política econômica amarrou o Brasil às finanças internacionais e favoreceu a desnacionalização da nossa economia, especialmente da nossa indústria, que hoje é controlada em mais de 70% pelo capital estrangeiro, contra 25%, do tempo da ditadura militar. Para fazer todo esse estrago, travou uma grande batalha no Congresso, que deu margem a graves denúncias de compra de votos de parlamentares para suas reformas constitucionais.

Houve de parte da elite econômica brasileira, representada pelo presidente da República, uma renúncia a um projeto nacional de desenvolvimento, que vem a ser o mesmo que renunciar a continuar a construir a história do Brasil. Podemos afirmar que, com FHC, começou o tempo da não história para as elites brasileiras, ou da anti-história. Tudo que se construiu em matéria de história a partir dele deve-se aos núcleos de resistência à sua política econômica. Seu sucessor, Luiz Inácio Lula da Silva, seguiu o mesmo caminho seu nessa matéria, aprofundando nossa dependência e renunciando também a fazer a grande história. Satisfez-se com políticas compensatórias das injustiças sociais, estas mantidas por sua política econômica. Diante desse quadro, não faz sentido continuar nossa análise da história do Brasil. As consequências dessa capitulação do governo brasileiro diante do capital internacional serão analisadas à luz de informações mais abrangentes e mais precisas sobre a história, a metamorfose do capitalismo e as leis que a regem.

A política econômica de FHC foi totalmente inspirada nos conceitos neoliberais, chamados por uma corrente de economistas como o tripé: estabilização, desregulação e privatização (31), a política do Estado mínimo, o desrespeito aos princípios republicanos, especialmente à cidadania. Essa questão será tratada nos últimos capítulos deste livro. Podemos dizer que passamos a viver, a partir de FHC, um tempo de letargia submissa do governo brasileiro. O que levou as autoridades a essa política, só mesmo elas, ou seus mentores e auxiliares, poderão explicar. Mas dificilmente o farão. Entretanto, todos eles devem ao povo brasileiro essa informação.

Rio de Janeiro, 22/12/2016

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