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Os novos barões do café
I – A gênese das castas
Arnaldo Mourthé
Para alguns esse título pode parecer estranho. Mas não é. O que procuro é definir o que vem a ser esse governo Temer, na perspectiva de nossa história. Para isso precisamos ir ao início da colonização das terras brasileiras. O que estamos presenciando hoje no Brasil pode parecer algo de novo, mas é apenas um aspecto novo de uma história que começou em 1500. A partir do descobrimento do Brasil a história nos revela um processo de ocupação do nosso território voltado para sua exploração predatória promovida por castas, desvinculadas de compromissos sociais, numa sociedade de desiguais e muitos excluídos, que vem sobrevivendo e prosperando com grandes sacrifícios de seu povo e a contribuição de uma Natureza extremamente generosa.
Quando os portugueses chegaram ao Brasil, Portugal tinha apenas 1,2 milhões de habitantes e já estava empenhado em incrementar seu comércio com o oriente e consolidar os postos comerciais já conseguidos no Caminho das Índias. Enviou para cá degredados e permitiu que aventureiros viessem por conta própria para apossar-se do território. Foram esses que estabeleceram contatos com os índios e fizeram deles seus parceiros na exploração do pau Brasil. Os índios eram de boa índole e não só os acolheram como lhes ofereceram mulheres para seu acasalamento. Nesse ato o migrado se tornava membro da tribo, conforme sua tradição. Aí começou a miscigenação, com a criação do caboclo.
A atividade prosperou e despertou o interesse de outras potências que enviaram para cá suas expedições. Os franceses percorreram quase toda a costa brasileira, e depois iriam instalar-se no Maranhão, onde fundaram São Luiz e no Rio de Janeiro, para onde veio Villegagnon. As preocupações de Portugal com o assédio de outras nações levou seu governo a organizar uma expedição sob o comando de Martin Afonso de Sousa, em 1530. As informações trazidas pelo comandante só aumentaram as preocupações. O rei D. João III decidiu então conceder posse de territórios a pessoas de sua confiança, sem o direito de propriedade, mas com poderes absolutos sobre os negócios e atividades inclusive a escravização de indígenas. Assim foi iniciada a colonização do país e criada a primeira casta da futura sociedade brasileira, que começou com os senhores de engenho, na exploração da cana de açúcar.
Essa atividade econômica gerou uma sociedade formada pelos senhores migrados de Portugal. Houve dois tipos de migração. As dos degredados e aventureiros que vieram aqui tentar sua sorte e dos potentados, amigos do Rei que vieram com todos os privilégios. Estes trouxeram consigo técnicos capazes de instalar e fazer funcionar suas usinas, dentre eles muito judeus que conheciam a tecnologia utilizada e tentavam se proteger da inquisição. A relação dos senhores com os nativos foi a oposta da dos migrantes isolados. Faltava força de trabalho para a atividade que florescia rapidamente. Os portugueses então apelaram para a escravização dos índios e estes se rebelaram. Criou-se um impasse. A solução foi buscar na África uma mão de obra escrava, negociada com chefes tribais que faziam guerras para capturá-los de outras tribos. Institui-se a escravidão negra no Brasil e criou-se uma casta de senhores de engenhos, que constituíram a primeira classe social no Brasil.
Depois veio a exploração do ouro, descoberto na região de Mariana, em Minas Gerais. O ouro era tanto que passou a ser a maior receita do reino de Portugal. A migração e a escravidão cresceram de forma extraordinária. Ouro Preto principal centro produtor de ouro passou a ser a segunda maior cidade do reino, com 100 mil habitantes. A Região das Minas no entorno da cidade reuniu 300 mil pessoas, população igual à capital do reino, Lisboa. A manutenção do Império Lusitano e a expansão das fronteiras do Brasil foram sustentadas pelo ouro de Minas Gerais. Os exploradores do ouro precisavam de equipamentos para escavação com a redução do ouro de aluvião. O reino não permitiu. Por outro lado os tributos pagos, em especial o quinto do ouro, tornaram-se insuportáveis pela redução da produção e seu custo mais elevado. Os brasileiros pensavam ter condições de enfrentar o reino. Houve um movimento de libertação, a Inconfidência Mineira, que foi esmagada pela repressão do Império. Seus líderes foram presos e degredados. Um deles pagou com a vida, Tiradentes. A corte julgou que era necessário dar um exemplo a todos que o Reino não aceitaria esse de tipo de rebeldia, e intitulou seus autores de inconfidentes, aqueles que revelam seus segredos. Mas as minas de aluvião se esgotavam e não havia meios de procurá-lo nas profundezas da terra. As cidades das Minas ficaram estagnadas, pois suas terras eram pouco férteis. Houve forte migração.
Enquanto isso o café foi introduzido no Vale do Paraíba e grandes fazendas ali se formaram. Parte das populações da região das Minas migrou para lá. O café ganhou mercado na Europa e nos Estados Unidos e as plantações cresceram. Foi preciso muita mão de obra para o trabalho. A solução foi levar para lá parte dos escravos e importar outros. O Brasil passou a ser um grande exportador de café. Veio para o Brasil a família real fugindo das tropas napoleônicas, em 1808, e em 1822 foi declarada a independência. Nas décadas de 1830 e1840, o café já representava 40% das exportações brasileiras, e só fez aumentar essa participação. O Império precisava das receitas alfandegárias para sustentar suas importações, já que o país não era industrializado, pois o reino de Portugal não permitiu que isso acontecesse. Para incentivar as atividades exportadoras foram dadas várias benesses aos produtores. Os mais beneficiados, evidentemente, foram os cafeicultores. Eles detinham um forte poder político e dominavam o parlamento, com participação expressiva dos coronéis dos engenhos de açúcar. Eles também eram os homens que faziam os negócios internacionais e tinham seus associados no exterior, especialmente na Inglaterra, que mantinha sua hegemonia no comércio internacional do Brasil e era detentora da maior fatia das importações brasileiras. Essa parceria pode ser vista nas construções de ferrovias e na Guerra do Paraguai, por exemplo.
Esses fenômenos de supremacia de alguns produtos de exportações na economia e na política nacional gerou uma interpretação de que no Brasil colonial e imperial três ciclos econômicos: o do açúcar, o do ouro e o do café. A história econômica e política do Brasil revela a influência desses setores econômicos. Tanto o reino de Portugal, no período colonial dos ciclos do açúcar e do ouro, quanto o Império no ciclo do café, foram pródigos nos favores concedidos àqueles que produziam para a exportação. Eram favores econômicos e políticos principalmente, mas também nobiliários. O imperador Dom Pedro II foi pródigo na distribuição de títulos de nobreza para coronéis dos engenhos de açúcar e, principalmente, dos cafeicultores. Centenas de títulos nobiliários principalmente os de barão, foram concedidos a esses privilegiados, sob a alegação de “bons serviços prestados” ao Império ou ao Imperador. Daí surgiu o nome de barões do café para a “elite” paulista de cafeicultores e exportadores de café. É sobre essa elite, suas políticas e os desdobramentos delas até nossos dias, que falaremos no próximo artigo.
Rio de Janeiro, 19/10/2016.
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