Esse post foi publicado 12 de abril de 2018 às 10:07 e está arquivado em Textos. Você pode acompanhar quaisquer respostas a esta entrada através do RSS 2.0 feed. Você pode deixar uma resposta, ou trackback de seu próprio site.
A Lei e a Ordem
Arnaldo Mourthé
Nos desencontros do governo com a sociedade surgem situações estranhas. As pessoas geralmente não as compreendem. Isso é normal, porque eles são criados de forma caprichosa para não serem compreendidas. A que mais marca no presente é a chamada Garantia da Lei e da Ordem (GLO), para justificar a utilização das Forças Armadas em atividades policiais. A expressão é pomposa e impressiona pelo aparato utilizado e pela publicidade que ela envolve. Mas, o vem a ser Lei, assim como a Ordem?
Para compreender melhor essa questão, precisamos esclarecer que não há apenas as leis dos homens, que regulam seu comportamento e sua organização social através do Estado. Há outras leis. Elas regulam a Natureza, o Cosmos e o Universo. As leis são normas que permitem que as coisas aconteçam para alcançar algum objetivo. A história revela que as leis dos homens são efêmeras. Elas se modificaram, evoluindo ou não, com o desenvolvimento cultural e das forças produtivas. Desde as tribos até o Estado moderno houve uma grande variedade de arcabouços culturais e legais que regeram a humanidade na sua evolução, até que se chegou à República moderna. A Repúbica nasceu no Mar Egeu e presidiu as civilizações helênica e romana. No final da Idade Média ela renasceu sob a forma de Cidade-Estado no norte da Itália.
A República que Rousseau conceituou no período iluminista, serviu de modelo para a que preside a chamada Civilização Ocidental Cristã. Seu princípio fundamental é a liberdade inata do homem. A vontade que criou essa instituição é a “vontade geral”, o acordo das partes que a constituíram em um “Pacto Social” que resultou em um “Contrato Social”, hoje representado pelas “cláusulas pétreas” da Constituição. Entretanto, os conceitos fundamentais da República não foram respeitados. Eles são a soberania do cidadão e da Nação, esta por transferência da primeira, e da divisão de poderes, condição essencial para se evitar a tirania. A legenda que presidiu essa conceituação de Rousseau foi a da Revolução Francesa, Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Essa República é, até hoje, uma utopia. Ela nunca chegou a existir plenamente. A que conhecemos, seja onde for, é um simulacro dela, que é conhecida como Estado Democrático de Direito. Este, na prática, não passa de uma plutocracia, escondida sobre o conceito vago de democracia, dita “governo do povo para o povo”. Na realidade ela não é uma coisa nem outra. Não há governo do povo, mas das classes dominantes que defende os interesses destas e não do povo, entendido como aqueles que constituem família e trabalham para sua sobrevivência, não importa em que atividade ou a que título.
Essas premissas nos permitem analisar o quadro dramático que a população brasileira atravessa e o risco da destruição de nossa Nação. O regime em que vivemos e a sociedade que ele administra foram forjados para defender os interesses dos proprietários, hoje, especialmente, os donos do dinheiro. Há uma história que nos levou a esse regime. O Brasil entrou nessa história depois que os portugueses aqui chegaram, representando a cultura europeia, na época dominada pela Inquisição. Esta já era combatida por mentes mais abertas, que buscaram se conscientizar através dos ensinamentos antigos, especialmente na filosofia grega, na prática republicana romana e nos ensinamentos Cristãos originais. Esse combate resultou no Renascimento. A pesquisa científica e o iluminista foram consequência desse movimento, que teve como suporte a pensamento crítico da filosofia grega, especialmente de Sócrates e Platão.
O ponto de partida foi o conceito dialético de Heráclito, que dizia: “tudo flui”, tudo está em movimento e nada fica como está. Todo movimento e toda quietude são efêmeros. Sem a interação dos opostos o mundo não existiria. Heráclito foi precursor da dialética. Depois vieram Sócrates, Platão, e seus seguidores, até chegar a Hegel, que formulou o método dialético e Marx que o aplicou na análise da natureza do capitalismo. Sem a compreensão do pensamento crítico, cujo principal instrumento é a dialética, não há como compreender nossa situação “caótica”. Esta expressão só faz sentido na medida em que o quadro em que vivemos parece uma situação onde nenhuma lei prevalece. Ledo engano. Nós estamos submetidos a leis. Nós podemos não conhecê-las, mas elas existem. Existe a lei humana perversa baseada no poder do dinheiro, mas ela é efêmera, precária. Há outras leis superiores, as da Natureza e as Espirituais. A lei humana é precária e injusta, as outras duas são perenes, justas e, por isso, implacáveis.
Pelo exposto acima podemos concluir que nem tudo está perdido. Se nós estamos submetidos a leis injustas é porque nós as aceitamos. Esta é uma questão à qual nos referimos inúmeras vezes, por isso não vou voltar ao assunto. Mas fomos nós, o povo brasileiro e seus líderes carismáticos, que colocamos no poder os que lá estão, e combatemos o pensamento crítico que nos apontava o caminho correto para nossa sociedade, especialmente na aplicação do espírito republicano na administração do Estado e nos verdadeiros ensinamentos cristãos no nosso comportamento. Mas a comodidade, muito interessante e agradável quando se dispõe de recursos para mantê-la, não nos tem permitido ocupar um mínimo de tempo para nos informar na busca da verdade. Ela está por aí em muitos lugares à disposição de todos. Há livros, documentários, peças teatrais, que nos ensinam muitas coisas. Mas nós os vemos apenas como diversão. Mas, de diversão em diversão nós nos deixamos infectar com as mentiras que sustenta a opressão e a desigualdade, que nos oprimem e estão nos levando ao desastre. Em outro artigo voltaremos a essa questão, expondo especialmente a necessidade de mudança e do papel das leis espirituais que regerão essa mudança.
Voltemos agora à questão referida no título, a Lei e a Ordem. Esta é uma questão emblemática porque é reveladora da natureza do governo que temos. O que se pretende com essa operação militar, disfarçada em segurança pública, o que ela não é. A insegurança aumentou no Rio de Janeiro depois da intervenção das Forças Armadas. O número de crimes aumentou. As mortes violentas também. Áreas relativamente seguras, como o Centro da Cidade e a Zona Sul, tornaram-se áreas de risco. A cidadania é desrespeitada, especialmente nos bairros populares. Surgiu o estigma de que morador da favela é cúmplice do “crime organizado”. Desvirtuaram essa expressão. É ridículo ver em um grupo de desesperados, varejistas das drogas, “o crime organizado”. A droga e as armas vêm de fora do país. O dinheiro do atacado também, mas volta com polpudo lucro, da mesma maneira que aquele do mercado financeiro, que compra tudo, consciências, dignidades, leis, patrimônios. Distribui a mentira, destrói valores culturais e incita as pessoas à intolerância, dividindo a sociedade. O crime organizado é chefiado pelo mercado financeiro. Não há outra explicação defensável para nosso descalabro.
A GLO e a intervenção na Segurança do Estado do Rio de Janeiro são instrumentos de múltipla utilidade, dentre as quais não se encontra a segurança do cidadão. Ela visa desviar nossa atenção dos verdadeiros e graves problemas do país, leva o medo à população, imobilizando-a, faz uma demonstração de força para desencorajar protestos, gera um clima de insegurança que só pode servir para desestabilizar nossas instituições. Pode até ser mais um instrumento para tumultuar o processo eleitoral.
O grande problema do Brasil, o maior de todos em todos os tempos, é o conjunto de sangrias que sofremos diuturnamente. Das finanças públicas, através dos juros da dívida pública, da economia, através da exportação líquida de capital, dos patrimônios públicos e privados transferidos ao capital estrangeiro, de nossos valores e vigor cultural, e, como consequência, da nossa soberania e da nossa dignidade. É de espantar a falta de consciência de nossa população em relação a tudo isso, que é restrita a um grupo pequeno de pessoas que se debatem sem ver retorno ao seu esforço heroico.
Falta-nos assumir nossa responsabilidade em tudo isso. Preferimos debitá-la aos outros, ao mesmo tempo em que nos omitimos na defesas de nossa gente e da nossa Pátria. Se não mudarmos essa atitude estaremos, cada vez mais, mergulhados na lama da corrupção e da desfaçatez. Apesar de tudo isso, seremos sacudidos por uma força maior dentro em breve. Nossas conquistas históricas, a integridade da nossa Nação e nossa dignidade, serão recuperadas pelas pessoas de boa vontade que vivem aqui no Brasil. È fundamental que cada um nós se proponha a ser uma dessas pessoas. Só assim seremos o país que queremos ser. No próximo artigo trataremos das verdades que nos são escondidas e que prevalecerão no desfecho desse estado de calamidade em que nos encontramos. Aguarde!
Rio de Janeiro, 10/04/2018
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