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A natureza do modo de produção capitalista
Arnaldo Mourthé
O modo de produção capitalista surgiu no processo de decadência do sistema feudal. Seu embrião se manifesta primeiramente no século XIV, na norte da Itália e no sul da França, com os arrendatários de terra burgueses que utilizavam trabalhadores temporários nas suas atividades. Ele cresce junto com a decadência do feudalismo, até se tornar um sistema definido, com vida própria. Esse processo durou dois séculos. Foi o tempo necessário para que os camponeses se tornassem livres. Não apenas do senhor feudal, mas também dos seus compromissos comunais e para com suas pequenas propriedades, que lhes foram sendo tomadas, por arbitrariedade ou por dívidas. Ele cresceu com a falência pessoal do senhor feudal e generalizou-se com o colapso do feudalismo.
Nos conflitos entre a velha aristocracia, feudal, e a nova, burguesa, os penalizados foram os produtores rurais que iam sendo expropriados de seus bens e expulsos do campo. Eles formaram um gigantesco contingente de trabalhadores disponíveis, sem terra e sem trabalho, que favoreceu o processo de formação do capitalismo industrial. Na Inglaterra, no final do século XIV, a exploração da terra já havia passado dos senhores feudais para os arrendatários, que conviviam com uma grande massa de produtores livres.
Marx chama a atenção para o fato de a formação da produção capitalista urbana ter sido muito mais rápida que a do capitalismo no campo, com os arrendatários.
Serve de base a todo esse processo a “expropriação que priva de sua terra o produtor rural, o camponês”. Sua história apresenta uma modalidade diversa em cada país, e em cada um deles transcorrem as diferentes fases em gradações distintas e em épocas históricas diversas. Onde ele reveste sua forma clássica é na Inglaterra.
Ao tornar-se assalariado, o camponês já não trabalha apenas para satisfazer suas necessidades, mas tanto quanto pode suportar. Essa intensificação do trabalho, aliado a novos métodos de produção, como a divisão de tarefas em função das qualificações e aptidões, permitiu manter e aumentar a produção agrícola, com contingentes menores de trabalhadores. Nessas condições, o camponês expulso da terra não se tornou apenas livre, mas miserável, sujeito a aceitar quaisquer condições para sobreviver e sustentar sua família. Ele forneceu à manufatura capitalista sua força de trabalho, barata e desprotegida, que permitiu ao capitalismo tomar o mercado dos artesãos que não fossem artistas ou extremamente habilidosos.
Até meados do século XVIII, a principal manufatura capitalista era a têxtil, que ainda usava meios rudimentares, não muito diferentes em produtividade dos artesanais. Os equipamentos manuais eram praticamente os mesmos. Mudara apenas o número de trabalhadores concentrados no mesmo lugar e jornada de trabalho maior, de 16 horas, seis dias por semana, que superava em muito a dos artesãos. A produção concentrada aumentava a distância de transporte das mercadorias, o que lhes agregava custo.
Para reduzir seus custos, a indústria têxtil de algodão precisava ser instalada junto a um curso d’água, para lavar os tecidos e movimentar a roda d’água que substituiu o pedal no acionamento das máquinas. Para reduzir os transportes, a localização das indústrias era próxima aos portos. Esses condicionamentos limitavam a expansão da indústria têxtil. Para superá-los, os industriais buscaram aperfeiçoar seus equipamentos para obter maior produtividade, usando os novos conhecimentos da ciência.
O capitalismo industrial só se consolidou com a revolução tecnológica do século XVIII, que ficou conhecida como Revolução Industrial. Esta foi possível graças ao capital acumulado pela exploração colonial em um período histórico conhecido como mercantilismo.
A partir daí a produtividade do trabalhador aumentou, gerando um aumento extraordinário da produção e do lucro do capitalista. Esse fenômeno produziu dois outros, a necessidade de procurar novos mercados para seus produtos e a possibilidade de aumento de salários dos trabalhadores, conseguidos através de penosas lutas. Daí surgiu a luta de classes, como a modernidade as conheceu. Os ingleses buscaram colocar no continente europeu seus excedentes. Esse processo levou a tensões que resultaram em guerras. As chamadas guerras napoleônicas têm sua origem nesse fenômeno.
A luta de classes gerou ideologias que se opunham ao liberalismo que sustentava o capitalismo inglês, e sustenta até hoje o capitalismo mundial. Surgiram as diversas vertentes socialistas, dentre as quais o trabalhismo, o comunismo e o anarquismo. As bandeiras que orientavam essas ideologias eram a liberdade, que o liberalismo defendia, mas apenas para a burguesia, e a igualdade, em diferentes matizes.
Nesse quadro a história do mundo ocidental desenrolou-se, entre conflitos sociais e entre nações, todos girando em torno da apropriação dos excedentes da produção que as conquistas científicas e tecnológicas potencializaram.
Mas, como foi possível essa sociedade tão desenvolvida do ponto de vista da produção e tão desumana, que tem no conflito sua forma existencial e nas guerras a sua sobrevivência? O que permitiu que a história humana tomasse esse rumo trágico, e que nos levou à brutal crise que atravessamos, com todos os riscos que conhecemos, que nem vale a pena mencionar?
Há a considerar que o desenvolvimento da ciência e da tecnologia ocorreu a uma velocidade estarrecedora, que não pôde ser acompanhada pela evolução espiritual da humanidade. O uso do poder da apropriação do excedente de produção por pequenos grupos sociais das nações acirrou a ambição, o individualismo e a segregação de classes, que nos países mais espoliados, da periferia do sistema, alcança uma condição de apartheid social, gerando miséria e impedindo o acesso de muitos a condições de dignidade humana. Os excluídos, não o foram apenas do conforto que a sociedade dispõe hoje, mas mesmo dos direitos elementares à alfabetização, à saúde e à habitação. O foram até mesmo de um trabalho que permita uma remuneração de sobrevivência com dignidade. Nessas condições construiu-se um criadouro da criminalidade, que a sociedade hipócrita debita aos marginalizados, quando a fonte de todo mal está no apartheid social, gerado pela concentração em poucas mãos do excedente de produção não consumido.
Rio de Janeiro, 07/01/2017
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