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O caráter destrutivo do capitalismo
Arnaldo Mourthé
Em 1873 ocorreu um crash na bolsa de Viena, aparentemente produzido por fortes financiamentos e especulações no setor imobiliário. Seguiu-se uma depressão econômica que atingiu imediatamente a Alemanha e se estendeu por toda a Europa e os EUA. Foram à falência centenas de bancos e entre quinze mil e vinte mil empresas industriais somente na Europa. A concentração das atividades bancárias e industriais que se seguiu criou uma nova fase no sistema capitalista, primeiro com os cartéis, depois com os monopólios. Os bancos tornaram-se acionistas, em muitos casos controladores, das grandes indústrias e corporações. Isso facilitou a criação de trustes, cartéis e monopólios. O capital financeiro assume sua posição de hegemonia no sistema capitalista. Pensava-se, assim, controlar as crises, sem levar em conta que elas estão na própria natureza do capitalismo.
Superada a crise econômica de 1873, a Europa retomara sua expansão econômica. Com o fim do tráfego de escravos, a África entraria em nova fase, a de fornecedora de matérias-primas para a indústria europeia, outra tragédia para o povo africano.
Em 1876 apenas três potências detinham possessões coloniais. A Inglaterra, a Rússia e a França. Os territórios sob controle britânico tinham 22,5 milhões de quilômetros quadrados de área e 251,9 milhões de habitantes. Sob o controle da Rússia estavam 17 milhões de quilômetros quadrados e 15 milhões de habitantes, e da França, 900 mil quilômetros quadrados e seis milhões de habitantes.
Durante um período o capitalismo conseguiu reduzir o impacto de suas crises com seus investimentos na África, não impedindo, entretanto que elas se manifestassem em 1882 e 1900. Mas a divisão do mundo como um todo dava à Inglaterra a maior parte, fazendo jus à sua hegemonia marítima. Mas não ocorrera conforme a capacidade industrial das nações europeias. Isso gerou desentendimentos entre elas. A paz ficou ameaçada. A Alemanha se ressentia das desvantagens da partilha das colônias.
O final do século XIX foi um momento em que as nações recém-formadas, como a Alemanha, a Itália e outras, desenvolveram um forte sentimento nacionalista, temerosas do retorno aos tempos passados de intervenções sistemáticas das potências nos seus negócios internos e, até mesmo, nos seus limites territoriais. Havia uma grande pendência entre a Alemanha e a França em relação à Alsácia e à Lorena.
Apesar da inferioridade tecnológica inglesa, seus territórios coloniais sustentavam sua supremacia comercial. As tentativas da Alemanha para melhorar sua posição na partilha colonial encontraram fortes resistências da Inglaterra e da França. As questões territoriais decididas em tratados, resultantes de guerras anteriores, passaram a ser contestadas pela Alemanha e por sua aliada, a Áustria.
A crise de 1873 concentrou o poder econômico nos maiores bancos, dando início aos monopólios. A de 1900-1903 reforçou o poder dos bancos e gerou o imperialismo. A crise de 1907 potencializou o poder dos grandes bancos. As grandes decisões das nações não eram mais apenas negócios de Estado, gerido por um poder político transitório. Eram das burguesias nacionais, industriais e banqueiros.
Ficaram para trás os tempos em que as guerras eram feitas por interesses das dinastias, pelo poder e pela dominação de territórios. Quando os conflitos ameaçavam as instituições, as famílias reais ligadas por laços de sangue buscavam sempre um entendimento. Entretanto, os poderes constituídos depois das revoluções burguesas tinham como foco político defender os interesses da burguesia capitalista, o lucro e a acumulação de capital. Numa situação de crises frequentes na economia, ir à guerra tornou-se uma rotina. Decidida a divisão do mundo, as colônias deixaram de ser o cenário da guerra. Nada impedia, entretanto, que ela ocorresse na Europa.
Em 1914 o número de metrópoles era seis: Inglaterra, Rússia, França, Alemanha, Estados Unidos e Japão. A França foi a maior beneficiária da partilha da África, ficando com 10 milhões de quilômetros quadrados de território. Mas a Inglaterra era de longe a maior potência colonial. Ela detinha então um território colonial de 33,5 milhões de quilômetros quadrados, com 393,5 milhões de habitantes, enquanto seu território era de apenas 300 mil quilômetros quadrados, com 46,5 milhões de habitantes.
Voltemos à história da economia para vermos que o capitalismo não iria demorar a revelar mais uma vez sua natureza de gerador de crises periódicas. Em 1907, Nova York tornou-se o palco da crise financeira que abalou os EUA, a Europa e a América Latina. Comentou-se nos altos meios financeiros que um pequeno banco de Nova York estava na iminência de falir. A informação vazou e provocou uma corrida dos depositantes para sacar seu dinheiro. Agitadores percorriam as ruas alardeando a quebra dos bancos da Wall Street. Os grandes banqueiros, sob a liderança de J. P. Morgan, que teria sido o autor do comentário infeliz, empenharam-se para salvar o sistema bancário. A primeira medida foi mobilizar os meios políticos, administrativos e religiosos para acalmar a população. Mas a crise era real. O pânico apenas a revelou. A euforia econômica estava sendo sustentada pelo crédito fácil, que excedera à capacidade de pagamento dos tomadores.
Com os bancos quebrados, a economia entrou em depressão, que se alastrou pela Europa e outras regiões. Devendo ao sistema bancário, as empresas industriais tornaram-se suas presas. Aumentou a concentração da riqueza no sistema bancário europeu. Os grandes bancos de Berlim cresceram de 80 estabelecimentos em 1900 para 450 em 1911 (63). No Brasil, o resultado foi uma redução drástica das exportações de café. Houve quebradeiras, especialmente no setor cafeeiro e no bancário.
Passado o sufoco de 1907, os grandes banqueiros, que haviam se unido em Nova York para enfrentar a crise, delinearam sua estratégia para enfrentar novas situações como essa e tirar proveito delas. Em 1910 eles se reuniram na ilha Jekyll para definir suas posições. Os presentes representavam os homens mais ricos do mundo, entre eles os das famílias Morgan, Rockefeller, Rothschild, e outros com grande poder e influência política. Seu plano resultou na criação do Banco Central americano, o Federal Reserve ou FED. Aparentemente o FED é um sistema público, mas não é. Ele é formado por instituições privadas, com sócios privados e administração privada. Seus diretores são nomeados pelo governo dos EUA, mas isso não o impede de ser privado, apenas dá-lhe a aparência pública, que lhe é extremamente útil, já que ele recebeu do Congresso americano a concessão de emitir dinheiro, prerrogativa que lhe era exclusiva, como prevê a Constituição dos EUA.
A lei que criou a Federal Reserve foi aprovada em um Congresso praticamente em recesso, no dia 23 de dezembro de 1913, e imediatamente sancionada pelo presidente Wilson. O sistema do Federal Reserve foi instalado no ano seguinte. Ele é supervisionado por um Conselho de Governadores que tem como estrutura operacional doze bancos privados americanos, seus sócios. A partir de sua criação, passou a administrar a venda de títulos do Tesouro americano e definir as taxas de juros que o governo paga, sob a alegação de controlar a inflação e proteger o depositante contra irregularidades praticadas pelos bancos, no que a experiência demonstrou não ter sido eficaz. O fato é que a partir daí os banqueiros tiveram não apenas o poder de influência do dinheiro, mas também a decisão sobre a política monetária americana, e mundial, quando a economia americana se tornou dominante, logo depois da Segunda Guerra Mundial (137).
Com a crise de 1907 estava montado o quadro para o desencadeamento da Primeira Guerra Mundial, cuja história é muito conhecida. Ela envolveu toda a Europa e o Oriente Médio. E quais foram seus resultados?
O Tratado de Versalhes, de 28 de junho de 1919, remodelou o mapa político da Europa. Alemanha, Hungria, Áustria, Polônia, Tchecoslováquia, Lituânia, Letônia e Estônia, adotaram o regime republicano. A França incorporou a região da Alsácia e Lorena. A Itália e a Grécia aumentaram seus territórios e os consolidaram. Surge o Reino da Iugoslávia. Foi criada a Liga das Nações. O Império Otomano perdeu seus territórios na Europa com a independência de suas colônias ali. As do Oriente Médio ficaram sob a tutela da Inglaterra e da França. A revolta de Mustafá Kemal contra o tratado de Sèvres, de 10 de agosto de 1920, derruba o sultão Maomé VI, em 1922, funda o Partido Republicano do Povo e institui a Turquia moderna.
Mas o custo dessa aventura militar foi devastador. A guerra envolveu no total 65 milhões de soldados. Desses, 8,5 milhões foram mortos e muitos outros milhões feridos. Entre os civis foram 10 milhões os mortos por razões diretas ou indiretas da guerra. As máquinas para a destruição e a morte eram mais eficientes que as que produziram a prosperidade da sociedade industrial. Ficou a lição de que a mistura do poder destrutivo das máquinas e da química, com a ambição humana sem limites, pode ser catastrófica. Porém, os fatos posteriores mostraram que essa lição não foi aprendida pela humanidade, ou, pelo menos, não o foi pela elite que a conduz, não se sabe bem para onde ir. É o que veremos a seguir.
Rio de Janeiro, 28/7/2017.
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