Esse post foi publicado 22 de junho de 2017 às 20:56 e está arquivado em Textos. Você pode acompanhar quaisquer respostas a esta entrada através do RSS 2.0 feed. Você pode deixar uma resposta, ou trackback de seu próprio site.
Quem somos nós?
Arnaldo Mourthé
Você já se perguntou quem você è? Se não, faça-se essa pergunta. Nós temos uma imagem de nós mesmo na qual acreditamos. Mas que imagem é essa? Fomos nós que a criamos? Se o foi, como o fizemos? Para essa última questão, você não encontrará uma resposta, porque sua imagem foi criada pela visão daqueles que no seu entorno a influenciaram, a partir de conceitos aceitos pela sociedade, mas nem sempre verdadeiros. Eles são certamente destorcidos. São frutos de uma sistematização para satisfazer certas necessidades, ou condições. Todos nós vivemos em um mundo de ilusões, que aos poucos vão sendo superadas, através de nossas experiências e reflexões, e de ensinamentos honestos que recebemos. É preciso ter sempre em mente que nem todo ensinamento é verdadeiro. A ciência é a prova disso. Mas nem ela está isenta das ilusões que nos assola, pois ela existe em um mundo de ilusões. O que podemos afirmar é que você é muito mais do que pensa que é. Dito isso, voltemos à nossa questão. Quem somos nós?
Em 1500 uma esquadra portuguesa que se dirigia para as Índias veio a tocar a costa brasileira em Porto Seguro, na Bahia. O ocorrido não foi por acaso. Colombo já havia encontrado terras atravessando o Atlântico para oeste, oito anos antes. Portugal já havia feito com a Espanha um acordo, o Tratado de Tordesilhas, que fora sacramentado pelo Papa. Aquela missão era para colocar sua bandeira na terra que deveria ser encontrada. A bandeira foi uma Cruz. A Cruz de Cristo, a mesma da Ordem de Cristo da qual D. Henrique tinha sido dirigente.
A descoberta encantou os portugueses. A exuberância da natureza, o gentio saudável e acolhedor, o clima ameno. Haviam descoberto algo que se parecia com a imagem bíblica do Paraíso. A carta que o escriba oficial da expedição, Caminha, enviou ao Rei de Portugal relata com entusiasmo o feito fantástico daquela descoberta. Caminha não exagerou nas suas palavras. Aquilo que ele viu era uma revelação, só comparável com o Paraíso. Mas que paraíso era esse?
Aquela imensidão de terras, que veio a ser o Brasil, acolhia naquele tempo alguns milhões de índios. Estima-se que poderiam ser de dois a cinco milhões. Ou seja, uma população duas ou quatro vezes maior que a de Portugal de então. Hoje nós temos informações bastante precisas sobres a grandiosidade do achado de Portugal, embora ainda existam áreas nas quais o homem branco ainda não conseguiu penetrar.
Por toda parte as populações nativas viviam em plena integração com a natureza. Seus conhecimentos e instrumentos eram suficientes para sua preservação e desenvolvimento. Tudo que eles cosumiam era recuperado pela própria Natureza pródiga. A fartura era enorme, o que lhes permitiam viver com poucas intervenções além da coleta e da caça. Suas roças eram pequenas, suficientes para sua comodidade ou complemento de sua alimentação em épocas menos favoráveis. Os conflitos entre tribos eram raros. A imensidão do espaço e a prodigalidade de recursos não favoreciam o conflito. Havia mais metros de praias que índios, sendo que a grande maioria deles viviam no interior.
A disponibilidade de alimentos na região de meus antepassados, Botocudos, no cerrado dos Campos Gerais, era impressionante. Dezenas de mamíferos de pequeno e grande porte, coelhos, pacas, tatu, veados; centenas de pássaros e aves de porte, perdiz, codorna, inhambu, ema; peixes em abundância, dourado, surubim, matrinxã, traíra; frutas nutrientes e deliciosas, araticum, pequi, mangaba, araçá, ananás, caju. Outros vegetais e raízes, abóbora, maxixe, jiló, inhame, mandioca, vários cocos. Todos esses são apenas alguns exemplos de centenas de outros alimentos que permitiram o desenvolvimento daquela população. Os portugueses encontraram um mundo pronto para sua sobrevivência e prosperidade, sem qualquer alimento vindo de fora. O índio dominava a Natureza a partir do seu conhecimento, explorando-a sem prejudica-la, em perfeita harmonia. O paraíso era muito maior do que Caminha poderia ter percebido, nos poucos dias de atracação das naus portuguesas.
Além do mais, os índios eram receptivos e se integraram com os portugueses, numa relação que Darcy Ribeiro chamou de cunhadismo:
Uma copiosa documentação histórica mostra que, poucas décadas depois da invasão, já se havia formado no Brasil uma protocélula étnica neobrasileira diferenciada tanto da portuguesa como das indígenas. Essa etnia embrionária, multiplicada e difundida em vários núcleos – primeiro ao longo da costa atlântica, depois transladando-se para os sertões interiores ou subindo pelos afluentes dos grandes rios – é que iria modelar a vida social e cultural das ilhas-Brasil. Cada uma delas singularizada pelo ajustamento às condições locais, tanto ecológicas quanto de tipos de produção, mas permanecendo sempre como um renovo genésico da mesma matriz.
Enquanto isso a Europa lutava com grandes dificuldades para manter sua população e vivia envolvida em guerras entre seus povos e outros que vieram de fora. As guerras contra os islamitas, na Ibéria e sul da França, duraram perto de oito séculos. As cruzadas, investidas militares contra os povos Ásia Menor e do Norte da África, esfacelara as nobrezas, e a Civilização Medieval. A peste negra havia varrido a Europa Ocidental.
Entre 1347 e 1350, ocorre na Europa uma terrível epidemia, originada no Oriente e conhecida como a Peste Negra. Estima-se que um terço da população europeia tenha morrido em decorrência da doença e da fome que se seguiu. Nas grandes cidades da Itália, a mortalidade alcançou 50% da população. Em Veneza chegaram a morrer 600 pessoas por dia. Essa devastação e a reação a ela produziram profundas mudanças no quadro econômico-social em toda a Europa.
Tamanho desastre obrigou os europeus a buscar soluções radicais para seus problemas, que resultaram em avanço tecnológico em vários setores da produção. Passaram a usar o cavalo no trato da terra, inventaram o carrinho de mão, desenvolveram a roda-d`água, e moinho de vento, a bomba dágua, surgiu o pistão e os mecanismos de transformar o movimento circular em alternativo, construíram pontes para encurtar caminhos, substituíram o remo pela vela na navegação, onde os ventos eram favoráveis, descobriram a imprensa e construíram o canhão, dentre outros inventos e inovações.
Mesmo assim, as condições de vida na Europa do século XV eram penosas. Havia fome e a esperança de vida média era de 30 anos. Quando caiu Constantinopla, tomada pelos turcos, graças ao uso do canhão, os europeus se sentiram golpeados, especialmente os mais ricos que usufruíam do comércio com o Oriente, como negociantes ou como consumidores. Ganhou corpo o que parecia uma extravagância, a Escola de Sagres do Infante D. Henrique. Foi lá que Colombo se instruiu para sua aventura gloriosa.
Esse novo e grande mundo descoberto pelos europeus representou uma extraordinária revolução na história da humanidade. Duzentas, dos trezentos alimentos consumidos no mundo provêm das Américas. As disputas se fizeram inicialmente pelas riquezas minerais, o ouro, a prata e as pedras preciosas.Mas a maior conquista foi matar a fome do europeu, para o que concorreram de forma notável a batata e o milho.
Mas a ganância humana não tem limites. O europeu não apenas ocupou o território, mas saqueou, exterminou populações e escravizou povos, para o usufruto de suas elites. Não apenas o alimento matou a forme dos europeus, como nossa prata e nosso ouro financiou o nascimento do capitalismo, como sua revolução industrial. E a espoliação continuou por quinhentos anos e, agora, querem retornar como um novo colonialismo oculto, o do capital financeiro. Veremos em seguida a síntese dessa história
Rio de Janeiro, 19/6/2017.
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