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A nova Constituição e o fiasco de Collor
Arnaldo Mourthé
Em 5 de outubro de 1988, com a promulgação da nova Constituição, que Ulysses Guimarães chamou de Constituição cidadã, uma onda de esperança varre o país. Mas a Constituição seria sabotada, seja pela protelação da aprovação das leis complementares necessárias à sua aplicação, seja por reformas. Houve uma dilaceração da Constituição no que diz respeito à regulação do capital. Por iniciativa de Fernando Henrique Cardoso, em alguns aspectos, o capital passou a ter mais liberdade no Brasil que o ser humano. Mas antes passemos os olhos pelos fatos que nos levaram até esse ponto.
Em 1989 teríamos as tão reclamadas eleições diretas para a Presidência da República. Os principais partidos lançaram seus candidatos esperançosos. Mas haveria uma zebra no seu caminho, Fernando Collor de Mello, candidato do recém-criado e inexpressivo PJ – Partido da Juventude. Como esse jovem, com sua natural arrogância oligarca, pôde empolgar o eleitorado brasileiro? Collor era governador de Alagoas, filho de família aristocrata, tendo sido seu avô materno ministro do Trabalho de Getúlio Vargas. Mas não foi nada disso que fez dele um candidato forte. Na eleição municipal de 1988, as pesquisas de intenção de voto para presidente, que ajudariam a analisar as tendências do eleitorado, já apontavam uma preferência para ele de 6% a 8% do eleitorado do Rio, que não o conhecia. O descalabro do governo Sarney havia gerado a desesperança na população. Foi nesse quadro que prosperou o moralismo de Collor. Ele fora dirigente das Organizações Arnon de Mello, um conglomerado de empresas de comunicação fundado por seu pai e propriedade de sua família, que contava com uma emissora de televisão afiliada da Rede Globo. Usando esse instrumento, ele lançou uma campanha nacional em torno de seu nome, a partir de um mote, o caçador de marajás, aquele que perseguia os funcionários que ganhavam salários acima do padrão. Além da ligação corporativa com as Organizações Globo, seu pai, Arnon de Mello, fora amigo de Roberto Marinho. Este viu em Collor um trunfo eleitoral.
Havia dois candidatos a abater naquelas eleições, nos critérios da elite econômica brasileira e seus acólitos, Brizola e Lula. Este por ser líder sindical, presidente do PT, uma incógnita perigosa. Ele fora eleito deputado por São Paulo com mais de 500 mil votos. Brizola era ainda mais temido, por suas conhecidas posições políticas republicanas, nacionalistas e getulistas, e por ser fortemente vinculado às classes trabalhadoras, tudo o que a elite, especializada no arrocho salarial, não queria ver na Presidência. Os magos da mídia não tiveram mais dúvidas. Era preciso encontrar um vilão responsável pelos descalabros dos governos militares e civis, fossem federais, estaduais ou municipais. O vilão escolhido foi a figura escalafobética criada por Collor para alcançar o poder, o marajá. Uma maquinação para travestir em vilão o funcionário público formal e competente vindo dos tempos de Getúlio Vargas. Essa imagem foi colada no funcionalismo como um todo, minando a defesa do trabalho e do trabalhador, que seriam os motes de campanha dos candidatos populares, ou de esquerda, Brizola e Lula. Parecia que os problemas do Brasil se resumiam aos marajás, um grupo de serviçais e cúmplices das oligarquias políticas, cuja imagem foi transferida diabolicamente para o servidor público.
A estratégia funcionou com uma campanha maciça da mídia, com recursos das elites financeiras e empresariais e do capital estrangeiro. Collor foi eleito, não sem contestação em relação à lisura da apuração no primeiro turno, especialmente na computação dos votos de Minas Gerais. Mas foi o mais votado no primeiro turno, e no segundo venceu Lula, que havia obtido apenas 400 mil votos a mais que Brizola. O governo de Collor foi mais escalafobético que a figura do marajá saída da mesma cepa. Ele demitiu mais de 300 mil funcionários, alguns imprescindíveis, inviabilizando serviços essenciais, como a previsão do tempo, e lançou um plano econômico mirabolante, o Plano Collor.
Esse plano congelou por dezoito meses os depósitos bancários, em contas correntes, cadernetas de poupança e overnight, que excediam a cinquenta mil cruzados novos; trocou a moeda para Cruzeiro; criou o IOF, Imposto sobre Operações Financeiras; congelou preços e salários; eliminou vários incentivos fiscais; liberou o câmbio e incentivou a abertura da economia para o capital estrangeiro; órgãos do governo foram extintos, alguns indispensáveis.
Com a brutal redução da moeda em circulação, os preços caíram. A taxa de inflação, que em março foi de 81,32%, caiu para 11,33% em abril e 9,07% em maio, estabilizando-se por poucos meses, mas voltando a crescer. Sua evolução foi de 1.782%, em 1989, para 1.476%, em 1990, 480%, em 1991, 1.157%, em 1992. Collor havia fracassado na sua tentativa de debelar a inflação. Mas, para ele, o pior foi a perda do apoio da classe média, que teve suas economias minguadas a partir de sua aventura monetarista. O confisco dos depósitos bancários gerou grande indignação na população. Muitos tiveram grandes prejuízos, pela paralisação de operações de compra e venda, especialmente de imóveis. Quem vendeu na véspera do confisco para comprar algo logo depois, ficou sem meio para fazê-lo. Os prejuízos e desfazimentos de contratos atingiram pessoas físicas e jurídicas. Havia uma grande mágoa contra ele na população formadora de opinião, contida pelas circunstâncias.
Mas um conflito comercial entre Pedro Collor e Paulo César Farias, o PC, o primeiro irmão do presidente, o segundo seu amigo e tesoureiro de campanha, tornou Collor vulnerável e a mágoa aflorou. Pedro acusou PC de desvio de dinheiro da campanha eleitoral para fins pessoais. Se a acusação era verdadeira ou não pouco importou. Quando Collor convocou a população para sair às ruas para apoiá-lo na sua alegação de conspiração, a reposta foi uma explosão de manifestações. Em vez de defendê-lo, pedia-se seu impeachment, procedimento que foi aprovado pela Câmara de Deputados em 29/9/1992. Collor foi afastado da Presidência em 2/10/1992 e renunciou ao cargo em 29/12/1992, tentando evitar seu julgamento, que mesmo assim ocorreu, produzindo a cassação de seu mandato e suspensão de direitos políticos. O caçador de marajás acabou cassado.
Rio de Janeiro, 22/12/2016
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