Os novos barões do café (XXII) – O retorno à democracia burguesa dependente


O retorno à democracia burguesa dependente

                                                                                                                                                                                                                         Arnaldo Mourthé

O retorno à democracia foi uma grande conquista. Depois da volta dos exilados criou-se um clima de otimismo no país, que a recessão econômica, de 1981 a 1983, e a continuidade teimosa e nociva da política econômica da ditadura não arrefeceram. A edição da nova lei eleitoral, que permitia o pluripartidarismo e retomava a eleição direta para governadores foi o suficiente para mobilizar a vontade política de mudanças. Eleitos os novos governadores, em 1982, quase toda a atenção da oposição voltou-se para a administração dos estados e prefeituras. O clima de liberdade ampliou-se. Com as autoridades eleitas, algumas delas ex exilados, cresceram os sonhos mais generosos daqueles que esperaram 20 anos por seus direitos políticos e viver como cidadão no seu país. Mas isso era, e continua sendo, em parte, utopia. Vejamos por que, voltando à história.

O governo estadual que despertou maior interesse naqueles dias foi o de Brizola. Ele apresentou ideias renovadoras e grande entusiasmo na busca de soluções objetivas para atender às necessidades da população. A grande ênfase foi dada à educação, com o Programa Especial de Educação dirigido por Darcy Ribeiro. Ele criou o Ciep, uma escola inspirada na Escola Parque, de Anísio Teixeira, porém mais completa, porque anexou atividades extracurriculares à escola convencional, com grande ênfase na reciclagem de professores, para a assimilação do conceito mais amplo de uma escola voltada para a formação de cidadãos. Mas o governo fez muito mais. Buscou soluções inovadoras para melhorar a administração e atender às necessidades básicas da população. As obras de drenagem, de esgoto e de captação e fornecimento d’água cresceram expressivamente, e a decisão do que fazer levou em conta as aspirações dominantes nas comunidades.

Esse esforço alcançou as favelas que passavam a contar com distribuição de água a domicílio, esgoto sanitário e coleta de lixo regular. Programas de reflorestamento foram desenvolvidos para recuperar a floresta da Tijuca e o entorno das favelas. Foram criadas inúmeras áreas de preservação ambiental e reservas biológicas. Foi implantado o primeiro programa de Educação Ambiental na Escola. Em um só mandato, a Administração do município do Rio de Janeiro fez tantas obras de contenção de encostas quantas todas já construídas até então.

A merenda escolar foi multiplicada por dois, em quantidade, com o mesmo dinheiro, enquanto a qualidade melhorou. Aproveitou-se esse programa para desenvolver a pecuária leiteira do estado, comprando grande parte da sua produção. E não podemos nos esquecer do Sambódromo, uma obra que saiu da prancheta de Oscar Niemeyer, como o Ciep, que deu ao samba sua dignidade merecida, ao preço das montagens e desmontagens de arquibancadas em apenas três carnavais, outra contribuição do genial Darcy Ribeiro. Na sua segunda administração, Brizola construiu a Linha Vermelha e equacionou a dívida do Metrô, convencendo a União a converter seus créditos na empresa em participação acionária, o mesmo fazendo o Estado, o que permitiu a retomada das obras do metrô e sua expansão. Além de tudo isso, houve outras iniciativas que ultrapassam o objetivo deste livro.

 

* * *

            Embora a eleição para governadores tivesse sido pelo voto direto, a para a Presidência continuava a ser pelo Colégio Eleitoral. O general presidente da República, que geralmente escolhia o candidato oficial, ouvidos seus pares militares, transferiu essa responsabilidade ao partido do governo, o PDS. Logo depois da posse dos governadores, começou a luta política pela indicação do candidato oficial. A oposição também iniciou um processo de consultas internas, animada pela disputa interna do PDS.

Mas havia uma forte corrente que defendia a eleição direta para a Presidência. O deputado Dante de Oliveira, logo que tomou posse em janeiro de 1983, iniciou a coleta de assinaturas para uma Emenda Constitucional (PEC n. 5), instituindo a eleição direta, e que foi apresentada à Mesa da Câmara em 2 de março. Já no dia 31 de março, era feito no recém-emancipado município de Abreu Lima, em Pernambuco, um comício em defesa da eleição direta, organizado pelo PMDB, com divulgação restrita ao estado. A partir de junho ocorreram vários comícios e passeatas pelo Brasil, a começar pelas capitais, espalhando-se pelas principais cidades do interior. A motivação estava expressa nas palavras Diretas Já! O primeiro grande comício foi em 5 de janeiro de 1984, em Curitiba, com o comparecimento de cerca de 40 mil pessoas. Dezenas de outros foram realizados, mas os de maior destaque foram: em 25 de janeiro, na praça da Sé, em São Paulo, com 300 mil pessoas; em 16 de fevereiro, uma passeata na avenida Rio Branco, entre a avenida Presidente Vargas e a Cinelândia, no Rio, mobilizou 60 mil pessoas; em 24 de fevereiro, na avenida Afonso Pena, junto à Rodoviária, em Belo Horizonte, realizou-se um comício com a presença de expressivas lideranças nacionais, com 400 mil pessoas.

Estava programada para o Rio a próxima manifestação nacional do movimento. O teste de mobilização foi uma passeata, também na avenida Rio Branco, no dia 21 de março com o comparecimento de cerca de 200 mil pessoas. O comício da Candelária, convocado para o dia 10 de abril, mobilizou fortemente a cidade. Com a presença de toda a grande liderança nacional do movimento, ele mobilizou cerca de um milhão de pessoas. O grito de liberdade, engasgado desde 1964, ecoou forte pelo Brasil e pelo mundo. Logo a seguir, no dia 16 de abril, o vale do Anhangabaú, São Paulo, acolheria a maior concentração de todos os tempos na cidade, com cerca de um milhão e meio de pessoas. Parecia decretado o fim da eleição indireta pelo Colégio Eleitoral.

Entretanto, logo depois, no dia 25 de abril de 1984, o povo brasileiro assistia pela TV, e por telões nos grandes centros urbanos, ao resultado da votação pela aprovação da Emenda Dante de Oliveira. Trezentos e vinte votos eram necessários à sua aprovação, mas ela só obteve 298. Faltaram 22 votos. O governo militar ainda dispunha de poder no Congresso Nacional. Sessenta e cinco deputados votaram contra, três se abstiveram e 112 não compareceram à votação. A eleição direta não interessava às elites do país. Muitas batalhas viriam pela frente para restaurar as liberdades e os direitos que o povo brasileiro havia perdido.

 

Rio de Janeiro, 22/12/2016

 

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