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A República Velha
Arnaldo Mourthé
D. Pedro II era muito jovem quando da série de revoltas às quais nos referimos no artigo anterior. Em 1845, quando terminou a Guerra dos Farrapos, ele completara 20 anos. Mas fora bem preparado por seus preceptores e seu regente José Bonifácio, e estava consciente que deveria tomar algumas providências para incentivar a industrialização do Brasil, que fora contida pela política do Reino de Portugal. Ele se sentia prisioneiro dos senhores de terra que geravam as divisas que o país precisava e dominavam, com isso, toda a política brasileira, sustentando-se sobre o trabalho escravo. Em 1844 ele fez editar a Lei Alves Branco que taxava os produtos importados. Em 1846 foram concedidos subsídios fiscais à indústria têxtil e, em 1847, isenções alfandegárias para seus insumos.
Em 1848 explode na França uma revolução popular com ideias socializantes. Ela foi um estopim que contaminou toda a Europa numa série de revoluções que substituíram o poder real pelo poder burguês. Naquele mesmo ano, um conflito político entre os partidos Liberal que teve seu governador em Pernambuco substituído por um conservador, gerou uma forte crise política. Ela radicalizou-se e produziu uma revolta popular chamada de Revolução Praieira, que mobilizou 2.500 combatentes e só terminou em 1850. Os revoltosos divulgaram um Manifesto ao Mundo, onde apresentavam suas reivindicações. A postura deles é bem definida numa quadra que dizia:
“Quem viver em Pernambuco
não há de estar enganado:
Que, ou há de ser Cavalcanti,
ou há de ser cavalgado.”
É interessante observar que D. Pedro II anistiou os revoltosos depois de seu julgamento em 1851. E que, também, iniciou, em 1850, seu lento processo de extinção da escravatura com a proibição do tráfico de escravos. Um longo processo de criação de uma burguesia industrial e do seu proletariado, e de enfraquecimento dos senhores de terra no plano político, se iniciava. Esses fatos são importantes para a compreensão da evolução do quadro político no país até a proclamação da República. Mas o domínio do patriciado nacional sobre a economia e a política se manteve por muito tempo e, ainda hoje, se manifesta no país sob a bandeira da Nova República, como veremos nos últimos artigos desta série.
A República no Brasil implantada em 1889, não o foi pela razão de haver no país um amadurecimento suficiente para sustentá-la. A população brasileira não tinha uma tradição política expressiva, como a francesa quando de sua Revolução de 1789, nem sua Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. A escravidão vinha de ser extinta, mas a cultura que a criou, e a manteve por 350 anos, dominava a política. A nossa República aconteceu por esgotamento do sistema Imperial, também ele sustentado pela escravidão. Havia sim um movimento republicano que teve como maior expressão a Guerra dos Farrapos, que também era pela abolição da escravatura, mas limitado ao sul do país e que fora derrotado. O movimento abolicionista tinha forte expressão no Rio de Janeiro naquela época, mas também era limitado, em número e em território. Só havia um grupo capaz de proclamar a República, os militares positivistas que, aliados aos maçons, o fizeram. A prova disso é o ministério do Governo Provisório, onde todos os ministros eram maçons. Mas o que vem a ser o positivismo?
O positivismo é uma doutrina filosófica criada pelo francês Auguste Comte (1798-1857). Ele prosperou no Brasil e difundiu-se no Exército, principalmente pela influência de Benjamin Constant Botelho de Magalhães, oficial engenheiro e professor da Academia Militar. Proclamada a República, ele ocupou o Ministério do Exército e, depois, o da Instrução Pública, durante o Governo Provisório, mas morreu logo depois, em 22 de janeiro de 1891.
A doutrina positivista considera que todo conhecimento humano provém da observação dos fenômenos e da sua análise racional, e que é inútil para os homens buscar a essência das coisas. Assim ele deve renunciar à teologia e à metafísica para concentrar-se na busca das leis que regem os fenômenos. A própria divindade deve ser encontrada na humanidade, que seria a deusa a ser reverenciada pela religião que Conte criou, com o objetivo de buscar a regeneração social e moral do homem. O lema maior do positivismo é O Amor por princípio e a Ordem por base; o Progresso por fim, como está escrito na fachada da Igreja Positivista do Brasil, no Rio de Janeiro. Desses princípios surgiu a expressão Ordem e Progresso impresso na nossa Bandeira.
Embora seja creditada a Conte a criação do termo “sociologia”, sua doutrina não vislumbrava uma política social, como fez Saint Simon, considerado um precursor do socialismo, que foi seu mestre e do qual se afastou com o tempo. Os positivistas não manifestavam sua posição em relação aos conflitos entre classes sociais que se avolumavam na Europa na época em que viveu Comte. Sua doutrina era voltada para a conduta moral e ética, e não para a justiça social. A nossa República foi proclamada sob a inspiração do positivismo. Desta forma ela já nasceu Velha, enquanto a Revolução de 30 seria conduzida sob s inspiração da justiça social de Saint Simon. Daí a diferença das duas e da necessidade da segunda. Sobre essa falaremos mais tarde em outro artigo desta série.
O primeiro grande problema social a ser enfrentado pela República, no governo de Prudente de Morais, foi o dos retirantes do Nordeste que, sob a liderança de Antônio Conselheiro, criaram uma grande comunidade em Canudos, Bahia. Ali, aquela gente desamparada se instalou em plena harmonia e fraternidade no trabalho e na convivência. Eram cristãos místicos e levavam sua vida em paz. O arraial onde viviam, quando da sua destruição tinha 5.300 casas, o que mostra sua importância. Pois esse fenômeno social, solução para as condições de vida extremamente difíceis daquela gente, sob a tutela dos senhores de terra, foi considerado como uma subversão contra a República e tratada como caso de polícia. Mas as forças policiais estaduais não conseguiram submeter a comunidade.
Foi mobilizado o Exército que, depois de duas tentativas fracassadas, cercou o arraial de Canudos e destruiu-o a tiros de canhão, em 1897. Todos os que ficaram, morreram, os últimos quatro combatentes entrincheirados no meu da praça do arraial, no dia 7 de outubro. Antônio Conselheiro havia morrido poucos dias antes a 22 de setembro. Essa vergonha da República foi contada por Euclides da Cunha no seu imortal livro Os Sertões. O Brasil havia retornado aos tempos do início da Inquisição, na guerra travada pela Igreja Romana e o reino da França contra os cristãos primitivos que hoje são conhecidos como os Cátaros, em 1209.
Mas esse método hediondo de tratamento de problemas sociais não se limitou ao caso de Canudos. Ele também foi usado no Rio de Janeiro, quando da modernização da cidade entre 1904 e 1906, no governo Rodrigues Alves. A cidade não tinha condições higiênicas compatíveis com sua população de mais de oitocentos mil habitantes. As habitações eram precárias no centro da cidade e o porto era insuficiente para atender às suas necessidades de intercâmbio comercial. Mas as obras produziram o deslocamento de mais de três mil pessoas. Foi restaurada uma lei de obrigatoriedade de vacinação que contrariou grande número de moradores. Houve reações que se somaram, das quais não escapou nem a Escola Militar. Elementos da população se revoltaram contra a vacinação e produziram quebradeiras no centro da cidade. Não houve o diálogo, nem as providências necessários, para acalmar os ânimos. No lugar dele impôs-se a repressão. Os resultados estimados são de 23 a 50 mortos, mais de cem feridos, mais de cem presos e cerca de mil deportados. As obras e a vacinação se fizeram, depois de algumas providências e esclarecimentos necessários. Mas ficou a marca da República, a de tratar os problemas sociais como caso de polícia. Mas houve também a questão do Contestado que resultou em guerra e carnificina. Disso falaremos no próximo artigo.
Rio, 01/11/2016
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