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Nova Tríplice Aliança, ou “primavera” Latino-americana?
Arnaldo Mourthé
Voltamos aos tempos imperiais. Em 10 de agosto de 1864 o Brasil invadiu o Uruguai. Essa guerra foi feita em aliança com o Partido Colorado, com apoio velado da Argentina, contra o presidente Aguirre e seu Partido Blanco. O pretexto invocado foi o de solucionar conflitos de fronteiras que envolvia interesses de comerciantes e proprietários de terras. Afinal o Império do Brasil precisava demonstrar sua hegemonia na região. Ela durou até 20 de fevereiro de 1865.
O Paraguai e o Uruguai, governado por Aguirre, eram aliados. Vizinhos, eles tinham interesses comuns além da necessidade do Paraguai ter acesso ao mar pelo Rio da Prata. Solano Lopes, presidente do Paraguai, reagiu à intervenção brasileira. Em 11 de novembro de 1864 foi aprisionado em Assunção o barco a vapor brasileiro Marquês de Olinda, que transportava o presidente da província de Mato Grosso, Frederico Carneiro de Campos, que foi preso. Pouco depois, o exército do Paraguai invadiu a província de Mato Grosso. Em maio de 1865, o Paraguai fez várias incursões armadas em território argentino. Estava delineado o quadro daquilo a que se apelidou Guerra do Paraguai. Vejamos como eu abordei, sinteticamente, esse trágico e constrangedor evento, no meu livro História e Colapso da Civilização.
Entre 1864 e 1870, o império se viu ocupado com a Guerra do Paraguai, consequência de conflitos de interesses entre comerciantes e pecuaristas nas fronteiras, que envolveram as nações platinas. Aproveitando-se da sua condição de isolamento no interior do continente sul-americano, o Paraguai desenvolveu-se autonomamente. Ele alcançou melhores índices de prosperidade e de bem-estar social que seus vizinhos. Superou o analfabetismo, desenvolveu e diversificou sua indústria e formou um exército profissional, bem treinado e bem equipado. Apesar de ter uma população diminuta, menos de um milhão de habitantes, o Paraguai fez frente à Tríplice Aliança, formada pelo Brasil, Argentina e Uruguai. No final da guerra havia perdido mais de 70% de sua população. Mas os seus adversários pagaram alto preço por isso, em homens e materiais. O Brasil voltou a endividar-se com a Inglaterra, que o financiou interessada a liquidar a independência do Paraguai. Esse endividamento criou novos laços de dependência do Brasil com o Império Britânico. Este capitulo da nossa história é uma mancha que o império nos deixou.
Agora o Brasil volta à sua postura imperial, a de intervir nos assuntos internos das outras nações. Desde sua posse como presidente interino, Temer insiste em intervir nos assuntos internos da Venezuela. Isso foi manifestado nas primeiras palavras de José Serra como ministro das relações exteriores,. Logo que foi efetivado, o governo voltou-se violentamente contra a Venezuela, acompanhando os governos reacionários da Argentina e do Paraguai, e tentando aliciar o Uruguai para sua aventura. de colocar a Venezuela contra a parede, ameaçando-a de expulsão do Mercosul, se ela não aceitar as condições, que os três governos chamam de “democráticas”. Impedem-na de assumir seu cargo de direito no comando da instituição, e ameaçam expulsá-la, caso não cumpra os seus ditames autoritários e imperiais.
Aproveitando-se do fato da Venezuela enfrentar uma terrível crise financeira, cuja causa foi a redução do preço do petróleo, sua principal receita em divisas, em cerca de 50%, essa nova Tríplice Aliança, agora tendo o Paraguai no lugar do Uruguai, tenta desmoralizar o governo venezuelano sob a acusação da falta de direitos humanos e de democracia.
Mas se compararmos a situação da Venezuela com a do Brasil, o quadro brasileiro é mais dramático que o venezuelano. Senão vejamos:
Se há falta de comida na Venezuela é por escassez de divisas para comprá-la. Mas falta também aos brasileiros uma alimentação adequada, que o faz desnutrido. E isso se dá porque exportamos alimentos para gerar divisas, que são de novo exportadas pelas empresas e investidores estrangeiros que se locupletam com subsídios governamentais para sua indústria e juros escandalosos para seus investimentos financeiros.
Se Maduro não ouve as ruas, o governo brasileiro está pior do que ele. Se fossem ouvidos os gritos de junho de 2013, teríamos mais e melhores serviços públicos e menos desempregados que temos hoje. Os serviços têm seus recursos desviados para pagar juros de um endividamento misterioso a taxas inaceitáveis por qualquer nação administrada por patriotas. Menos desempregados porque não teríamos aceitado a política econômica de dependência escandalosa ao capital internacional, que manipula nossa economia e impede investimentos públicos, pois os recursos do Tesouro são desviados para o pagamento de juros. Ao todo, os desvios são de cerca de metade do orçamento da União. Apesar disso os recursos do orçamento não cobrem a totalidade dos juros, o que obriga a emissão de novos títulos da dívida aumentando-a exponencialmente, o que a fez impagável.
Se a Venezuela tem dificuldades financeiras visíveis que leva sua população à penúria do desabastecimento, nós temos uma dívida pública impagável que está solapando, não só nossas finanças como nosso mercado incapaz de consumir o que produz nossa indústria, apesar de sua grande capacidade ociosa.
Mas por que é tão evidente a crise na Venezuela e a nossa vem sendo disfarçada há tanto tempo? Muito simplesmente porque estamos vendendo todo o nosso patrimônio a título de resolver um problema financeiro que não tem solução, porque a dívida pública que o produz só faz crescer. Já a Venezuela não se vendeu. Aí está a diferença. Os daqui são vendilhões, os de lá não.
Alega-se para afirmar a falta de respeito aos direitos humanos a prisão de um jornalista. Quantos aqui vão para a cadeia por protestar contra os descalabros e a corrupção nos governos e dos governantes? Alega-se que são arruaceiros! Até que esses existem. Mas não arruaceiros vão também para a cadeia só por protestar e enfrentam “bombas de efeito moral”, que assim são chamadas mas que ferem e que cegam como aconteceu a poucos dias em São Paulo com uma estudante.
Diante deste quadro, por que tanta campanha contra a Venezuela. Simplesmente porque seus dirigentes tem a coragem de enfrentar o capital financeiro internacional, fomentador e financiador de guerras como aconteceu e ainda acontece na chamada “primavera árabe”. Vejam por exemplo o que acontece na Síria, onde foi fomentada uma guerra só porque o governo de Assad não aceitou a submissão do seu país aos interesses criminosos das empresas de petróleo e dos bancos internacionais, para a exploração do gás que ali existe em quantidade.
Será que começou a “primavera latino-americana”? Tudo indica que sim. E o governo Temer está enterrado até o pescoço, nessa criminosa empreitada. E dessa vez a consequência não será apenas certa dependência a alguma metrópole, o que já temos em excesso, mas a perda de nossa dignidade e de nossa soberania. Mas isso, nós, o povo brasileiro não permitiremos. Quem viver verá.
Rio de Janeiro, 14 de setembro de 2016
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